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17/08/2010 |
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Edição Nº 1147 de 16 a 21 de agosto de 2010 |
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| ARTIGO |
A mídia e o escândalo Lula |
Quem olhasse para o Brasil através da imprensa, não conseguiria entender a popularidade do Lula. Foi o que constatou o ex-presidente português Mario Soares, que a essa dicotomia soma a projeção internacional extraordinária do Lula e do Brasil no governo atual e não conseguia entender como a imprensa brasileira não reflete, nem essa imagem internacional, nem o formidável e inédito apoio interno do Lula.
Acontece que Lula não se subordinou ao que as elites tradicionais acreditavam reservar para ele: que fosse eternamente um opositor denuncista, sem capacidade de agregar, de fazer alianças, se construir uma força hegemônica no País.
Quando Lula contornou isso, constituiu um arco de alianças majoritário e triunfou, lhe reservavam o fracasso: ataque especulativo, fuga de capitais, onda de reivindicações, descontrole inflacionário, que levasse a população a suplicar pela volta dos tucanos-pefelistas, enterrando definitivamente a esquerda no Brasil por vinte anos.
Lula contornou esse problema. Aí o medo era de que permanecesse muito tempo, se consolidasse. Reservaram-lhe então o papel de “presidente corrupto”, vítima de campanhas orquestradas pela mídia privada – como em 1964 –, a partir de movimentos como o “Cansei”. Ou o derrubariam por impeachment ou supunham que ele pudesse capitular, não se candidatando de novo, ou que fosse, sangrado pela oposição, ser derrotado nas eleições de 2006. Tinham lhe reservado o destino do presidente solitário no poder, isolado do povo, rejeitado pelos “formadores de opinião”, vítima de mais um desses movimentos que escolhem cores para exibir repudio a governos antidemocráticos e antipopulares.
Lula superou esses obstáculos, conquistou popularidade que nenhum governante tinha conseguido, o povo o apoia. Mas nenhum espaço da mídia expressa esse sentimento popular – o mais difundido no País. O povo não ouve discursos do Lula na televisão, nem no rádio, nem os pode ler nos jornais. Lula não pode falar ao povo, sem a intermediação da mídia privada, que escolhe o que deseja fazer chegar à população. Nunca publica um discurso integral do Presidente da República mais popular que o Brasil já teve. Ao contrário, se opõem frenética e sistematicamente a ele, conquistando e expressando os 3% da população que o rejeita, contra os 82% que o apoiam.
Talvez nada reflita melhor a distância e a contraposição entre os dois países que convivem, um ao lado do outro. Revela como, apesar da moderação do seu governo, sua imagem, sua trajetória, o que ele representa para o povo brasileiro, é algo inassimilável para as elites tradicionais. Essa mesma elite que tinha uma imensa e variada equipe de apologetas de Collor e de FHC, não tolera o fracasso deles e o sucesso nacional e internacional, político e de massas, de um imigrante nordestino, que perdeu um dedo na máquina, como torneiro mecânico, dirigente sindical e um Partido dos Trabalhadores, que não aceitou a capitulação ou a derrota.
Lula é o melhor fenômeno para entender o que é o Brasil hoje, em todas as posições da estrutura social, em todas as dimensões da nossa história. Quase se pode dizer: diga-me o que você acha do Lula e eu te direi quem és.
Emir Sader, sociólogo e articulista da Revista Carta Maior |
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