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20/09/2010 |
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Edição Nº 1152 de 20 a 25 de setembro de 2010 |
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| ARTIGO |
Imprensa & Eleições. Crítica da razão indefesa |
Certa vez em uma entrevista, um diretor polonês disse que, por um longo tempo, a mídia em seu País havia dedicado sua primeira página todos os dias para falar sobre o governo sem nunca reportar que os cidadãos estavam fugindo em massa para Londres em busca de um futuro melhor. O diretor disse que um dia recebeu a mensagem dando conta que 1 milhão de poloneses havia emigrado de seu País. E, finalmente, foi com essa imagem da massa de emigrantes que os jornais formaram suas primeiras páginas. Há que se perguntar como é que tão grande número de poloneses saiu do País sem que ao menos isso fosse noticiado? A verdade é que os jornais tinham, àquela altura, se distanciado profundamente da sociedade que buscavam retratar.
No Brasil, penso que para chegarmos sãos e salvos ao dia 3 de outubro haveremos ainda que passar por manchetes diárias estampadas em nossa grande imprensa (Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo, O Globo) dando conta da violação de sigilos fiscais de adicionais 21 pessoas intimamente relacionadas com a família do candidato José Serra. Após a quebra do sigilo da filha e do genro, do primo de sua mulher, ainda saberemos que foram ao meio fio os sigilos da sogra, da sobrinha, de dois tios, de uma comadre de sua filha e de sua afilhada. É o jornalismo conta-gotas, como se a sociedade estivesse recebendo ao longo das próximas semanas doses diárias do homeopático Beladona.
O meio mais eficaz para banalizar um crime é tratá-lo como banal. Simples assim. E é isto o que a imprensa paulista, aquela que se autointitula de abrangência nacional, vem fazendo desde os últimos dias e deverá pautar sua equipe de "opinionistas" e colaboradores: a cada dia o escândalo requentado busca render imagens "na medida" para atender interesses eleitorais na propaganda veiculada na tevê.
No caso dos sigilos há excesso nos enfoques: o culpado não pode ser outro que não o PT, a candidata governista. Excesso nos métodos: os jornais publicam a mesma manchete com leves alterações. Excesso no espaço: primeira página, editorial, caderno eleições. Excesso na contundência: a candidatura do governo precisa ser cassada pelo TSE. Excesso na repetição de bordões e frases feitas: terrorismo de Estado, crime fiscal hediondo, crime de lesa pátria, ilegalidade abominável. Excesso de opinião: todos os que têm a opinião impressa falam a mesma língua, usam os mesmos recursos lingüísticos e se estivessem em bancada de telejornal da noite, fariam as mesmas caras e bocas.
Quando a propagação de um jornalismo partidarizado se une à política convencional, temos o perigo real. Uma fábrica de manipulação quando começa a funcionar durante duas horas ao dia é prenúncio de que logo estará funcionando 24 horas ao dia, em três turnos ininterruptos. E não há nada pior do que estes libelos diários a atiçar os piores instintos da sociedade: alguns partidos sem líderes capazes de se manter frios e que se coloquem em defesa da razão. À ausência de tal liderança calma e clara em nossos principais partidos em tempos de crise, aliado ainda à guerra contra a verdade e a lógica, podem apenas nos trazer maus presságios.
Washington Araújo – Jornalista e escritor, Mestre em Comunicação pela UNB |
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