Material, que contém conteúdo extra, revela a emoção da artista em voltar ao palco que a lançou ao estrelato
No palco, Gal Costa canta "Vapor barato". A certa altura, ela curva o corpo e aponta para Pedro Baby. Corta para o guitarrista, que começa a solar. É a cena que se vê no DVD "Recanto ao vivo" (Universal), lançado também como CD duplo, registrando a turnê de "Recanto". No documentário presente nos extras, porém, a cena aparece de outro ângulo. Durante o solo, a câmera foca o rosto convulsionado da cantora, seu braço estendido trêmulo na direção do guitarrista, a força para segurar o choro antes de voltar a cantar. O detalhe da câmera invertida diz muito da força do show - apontado pelo jornal O Globo como um dos melhores de 2012 - e, mais, do que ele representa para a artista. "Eu lancei "Vapor barato" naquele teatro, no show "Fa-tal" (o DVD foi gravado no Teatro Net Rio, antigo Tereza Rachel, onde Gal apresentou o histórico show em 1971)", lembra Gal. "Pepeu (Gomes, pai de Pedro Baby) era um menino, mais novo do que eu. E Pedro é como se fosse meu filho, vi ele crescer, gosto muito da Baby (do Brasil, sua mãe). E estar ali... Era minha história, minha vida. Eu me comovi. E, como "Fa-tal", esse show é instigante, inovador, estranho, bonito, denso, intenso. É como gosto. Tem todas as minhas caras: o rock, as coisas mais clássicas. Mais que um panorama da minha carreira, é um mergulho. E eu mergulho junto, dando tudo, me rasgando".
Durante o show, Gal faz uma referência à volta ao teatro. Na fala registrada no DVD (dirigido por Dora Jobim e Gabriela Gastal, que também assinam os extras, ao lado de Clara Cavour), ela diz que, naquele palco, está no mesmo lugar, mas num lugar diferente. E completa: "Como eu, como todos nós". A sonoridade eletrônica que atravessa "Recanto ao vivo" é apenas a face mais evidente dessa mudança imposta - e aceita naturalmente - pelo tempo.
"Sei que não tenho mais 30 ou 25. Tenho 67. Mas, por outro lado, não me sinto com a idade que tenho. Estou malhando. Porque o show tem uma demanda física, a vida tem uma demanda física. Quero fortalecer as pernas, os braços. Tenho um personal trainer, mas não para ter o corpo que tinha. Continuo jovem, meu espírito é esse e quero que meu corpo acompanhe", diz. O pensamento sobre o canto, tema presente no show e no CD que o gerou, também é cortado pelo tempo.
"Quando ouço minhas coisas antigas, minha gravação de ´A rã´, acho lindo. De uma pureza que me comove. Mas os anos passam. O grande barato da vida é mudar. É perceber isso e gostar".
Afinada com o discurso do gosto pelo presente, Gal lista canções mais recentes quando cita momentos do show que considera mais impactantes para ela, como intérprete. "´Autotune autoerótico´ tem isso: ´Agora é a hora dela´. Tem ´Cara do mundo´, ´Tudo dói´... Quando vi ´Tudo dói´ no DVD, pensei: ´Puta merda, cara, que coisa bonita´. Não é só o texto que me arrebata, é também a sonoridade, tudo junto".
As três canções (como todas de "Recanto" e a maioria de "Recanto ao vivo") são de Caetano Veloso, que também dirige o show. Gal, que já foi dirigida por outros artistas de assinatura forte, como Waly Salomão e Gerald Thomas, comenta como funciona para ela esse diálogo: "Guilherme Araújo me disse uma vez que um diretor de um show não pode ser como o de um ator. Em ´Gal Tropical´, ele percebeu que eu estava mudando e montou um show pensando nisso. Não me disse em nenhum momento para eu fazer nada no palco. Só com Gerald teve esse tipo de direção. Normalmente, como aconteceu com Caetano, o diretor cuida mais da parte musical, de repertório", conta.
Para o futuro, Gal pensa em seguir com a turnê até o fim do ano ("Quero voltar ao Circo Voador, foi muito marcante, a gritaria, a paixão, o cheirinho me lembraram o ´Fa-tal´") e planeja um novo disco ("Estou começando a vislumbrar"). "Seria bonito também se fosse lançado o ´Fa-tal´ em DVD. Leon Hirszman filmou vários dias, o arquivo dele deve ter o show todo".
|