O road-movie "A Busca" esboça um retrato crítico da família e das desigualdades do interior do Brasil
Tenho uma visão diferente daqueles que criticam a Globo Filmes sob a alegação de produzir obras de cunho popular, linguagem novelística e o objetivo na bilheteria. Arrisco mais: isso é irrelevante quando se trata de um cinema, como o brasileiro, que ainda não conseguiu se impor em importância em relação ao cinema feito na América do Sul por argentinos, por exemplo.
Basta ver o Ranking anual da cinematografia do País para verificar a imensidão de filmes que eram esperanças de comunicação com o público e simplesmente foram ignorados por ele. Lamentavelmente, nessa leva de "ignorados pelo público" de 2012, entraram filmes importantes, como "À Beira do Caminho", o melhor nacional do ano passado ao lado de "Gonzaga - de Pai Para Filho", também do cineasta Breno Silveira, que a trancos e barrancos superou a "nordestinidade" do personagem e conseguiu se tornar um "sucesso brasileiro".
A Globo Filmes trouxe profissionalismo ao cinema nacional e deva-se à produtora a melhor qualidade com a qual os filmes são feitos hoje. Nesse bojo cite-se, também, produtoras como a Conspiração, O2Filmes, LC Barreto, Bananeira Filmes, Zazen Produções, Dyler & Associados, Lereby Produções, afora Tambellini e a Taiga, entre outras. Segundo o "Filme B", existem, hoje, mais de 150 produtoras no País - confira, acessando a página http://www.filmeb.com.br/. Daí, podemos definir a razão do Brasil produzir quase 100 filmes por ano.
Qualidade x público
Em cartaz com 112 cópias em 152 salas espalhadas no território nacional, "A Busca", que levou 105 mil pessoas aos cinemas no final de semana, não será um "mega sucesso" - como se diz em relação aos filmes que ultrapassam a marca de 2 ou 3 milhões de espectadores -, mas desde já se estabelece com a melhor produção pátria do ano.
Sinalizo dois problemas em "A Busca" em relação ao público: o fato de dar a ideia de se tratar de um thriller policial sobre sequestro e violência - e esse é um ledo engano; e quem o assiste é surpreendido por uma história que trata da família, da incomunicabilidade entre pais e filhos, da luta destes pela individualidade, da revelação de um "Brasil invisível" com seus bolsões de favelas no meio rural, as comunidades alternativas e os precários meios de comunicação. Não há garantia de que esse grande público irá recomendar sem hesitar. Afinal, este é um drama que bate estranho ao nosso olhar, o qual, ao final dele, exige uma reflexão do espectador.
Em seu brilhante roteiro, de autoria de Elena Soares (entre seus créditos estão "Eu Tu Eles" e "Casa de Areia"), a história é construída, camada por camada, na mesma medida aos passos com os quais o seu personagem central, Theo, vai se descascando através da notável interpretação de Wagner Moura, e revelando um Brasil desconhecido do Brasil.
"A Busca" se desenvolve em três campos de abordagens simultâneas: a família, as estradas que revelam um Brasil desconhecido e as novas gerações em busca de liberdade e, principalmente, identidade. Daí a afirmação de "brilhante" do roteiro confeccionado por Elena e seu parceiro de trabalho, o diretor Luciano Moura, na exposição da distância em que cada uma dessas abordagens traz dentro das próprias temáticas citadas e, ao mesmo tempo, entre elas. A distância do entendimento familiar, a distância entre os dois Brasis, da distância da percepção dos ideais entre pais e filhos. Reafirme-se: à distância.
Theo, construído de forma fascinante, inicialmente em estado de cegueira e um ideal pessoal que o faz um centralizador arrogante, na desesperada jornada dele em busca do filho que desaparece e segue a trilha oferecida para encontrá-lo e dela não se desgarra como a última tábua de salvação de si mesmo. O medo também perpassa pelo personagem. Sabe que o seu fracasso como pai não pode se consumar.
Outra conotação a fazer é o caráter urbano em termos de conotação social e - vai aí o brilhante de novo para o roteiro - e também e principalmente, intimista, com o qual narrativa se desenvolve - mesmo se o rotularmos de um road movie. Prefiro tê-lo como um "road consciência", pois é esse o processo pelo qual Theo vai se "descamando", seguimento esse que chega ao ápice em dois momentos distintos: no primeiro, a declaração de amor à mulher por telefone, e, depois, na bela e emocionante sequência do parto, na qual não apenas nasce uma criança, mas um novo homem. Uma belíssima metáfora.
É impressionante como Elena e Luciano tratam a distância entre as pessoas como o tema absoluto. Durante todo o filme ela, a distância, se encurta e se afasta ao encontro Theo com os demais dos personagens. Mantêm-se longe e depois um pouco mais aproximada com as pessoas da favela, mantém o mesmo processo com o barqueiro, se distancia com o homem rural que precisa do celular para a comunicação com a filha, diminui mais ainda com as pessoas da comunidade, um pouco com o homem amargurado que o atropela na estrada (o personagem mais inquietante da história) e se fecha de vez quando pai (Lima Duarte), filho (Theo) e neto (Brás Moreau Antunes) se encontram. A origem e o final.
Destaques
Atente-se para outra passagem: a do mecânico que não abre mão do desenho de Pedro. O olhar que o pai não sabia da vocação do próprio filho, sinalizando a distância entre os ideais da antiga geração e das novas, os seus próprios filhos: um fosso, um abismo. Ela se expressa de forma contundente em toda a sequência em que Theo se integra à comunidade alternativa, a qual revela um outro ideal dos jovens em sua busca de liberdade: o direito de escolha. Tire-se isso da cena na qual a mulher se integrou à comunidade para parir o seu primeiro filho, junto à natureza. Não por menos Theo fala para ela se concentrar no barulho da água do rio.
É muito interessante, ainda, como Luciano Moura trata os "close-ups" e os diálogos, a distância da câmera para os seus personagens, prendendo-os conforme o momento, em suas amarguras, ansiedades, desejos e alegrias.
"A Busca" é um filme sobre as distâncias que separam, aproximam, alargam-se, convergem e, finalmente, entendem-se. É uma visão não da moderna, mas da atual família brasileira. Um filme revelador e de pungente humanismo que não tenho como não recomendá-lo e, principalmente, deixar de apontá-lo como, até agora, o melhor do ano.
Mais informações:
A Busca (Brasil, 2012), de Luciano Moura. Com Wagner Moura, Mariana Lima, Brás Moreau Antunes e Lima Duarte. 96 minutos. 12 anos. Salas e horários no caderno Zoeira
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