A arte de Eliseu Visconti, precursor do Modernismo, é uma das atrações da mostra "Travessias", na Unifor
Com o título "O moderno antes do modernismo", um dos núcleos da mostra "Trajetórias: Arte brasileira na coleção Fundação Edson Queiroz" traduz a abrangência da exposição, em cartaz até 8 de dezembro, no Espaço Cultural Unifor. Ele revela que a arte moderna brasileira é anterior à famosa Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, em fevereiro de 1922.
A semana foi, de fato, um marco, ao reunir grandes nomes como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Anita Malfatti, Plínio Salgado, Sérgio Milliet, Guilherme de Almeida, Heitor Villa-Lobos, Di Cavalcanti, todos vivendo no eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Contudo, desde fins do século XIX já existiam artistas que não se ajustavam às regras, experimentando novas técnicas, inventando linguagens e abordando temas que seriam caros aos modernistas.
É o caso do pintor ítalo-brasileiro Eliseu Visconti, considerado um precursor do Modernismo e um dos artistas contemplados na exposição "Travessias". No campo da criação artística, nenhum trabalho ou manifestação surge a partir do nada - ou seja, sempre há elementos anteriores tomados como referência na elaboração de algo inovador, seja pela mistura, pela negação ou desconstrução dos mesmos. Quase sempre o caminho é longo ou, no mínimo, com transformações graduais.
Ligação
Eliseu Visconti é considerado por especialistas e pesquisadores como um artista revolucionário. Suas obras iniciais representam um elo de ligação entre os ideais estéticos dos séculos XIX e XX. Na mostra em cartaz no Espaço Cultural Unifor, é possível apreciar duas importantes obras de Visconti, dois óleos sobre tela que retratam momentos distintos da criação do artista. "Volta às trincheiras", de 1917, apresenta uma transformação no uso das cores por parte do artista, até então mais escuras, agora com tons mais acastanhados. "Lição no meu jardim", de 1930, é uma das obras destacadas pelo portal http://www.eliseuvisconti.com/, representativa de um dos momentos mais criativos do pintor.
Trajetória
Nascido em Salerno, Itália, em 1866, Eliseu d´Angelo Visconti veio ainda menino para o Brasil. Aperfeiçoou seu talento no Liceu de Artes e Ofícios e na Academia Imperial de Belas Artes, onde foi discípulo de Zeferino da Costa, Rodolfo Amoedo, Henrique Bernardelli, José Maria de Medeiros e Victor Meirelles.
Antes de os artistas citados anteriormente apostarem no rompimento com as estruturas do passado, no nacionalismo e suas múltiplas facetas, Visconti já tentava se desvencilhar do academicismo e seu conjunto de técnicas e fórmulas convencionais, ao importar referências de movimentos que então chacoalhavam a Europa, especialmente o Impressionismo.
Contribuiu para essa trajetória o fato de ter empreendido parte de seus estudos na Europa, onde teve contato e absorveu influências do simbolismo, da Art Noveau e do impressionismo. A oportunidade de se aperfeiçoar no exterior aconteceu por meio do primeiro concurso da República para o prêmio de viagem ao estrangeiro, da Escola Nacional de Belas Artes, vencido por Visconti em 1892.
No ano seguinte, o artista rumou para a França. Aprovado no processo de admissão da École Nationale et Speéciale des Beaux-Arts, abandona essa conservadora Escola ainda em 1894 e inscreve-se na École Guérin, onde foi aluno de Eugéne Grasset, considerado uma das mais destacadas expressões do Art Nouveau. Frequenta também a Academia Julian, tendo como mestres Bouguereau e Ferrier.
Em 1901, realizou sua primeira exposição individual, na Escola Nacional de Belas Artes (RJ), onde, além das telas a óleo, expôs trabalhos de arte decorativa e de arte aplicada às indústrias, resultado de seu aprendizado com Grasset. Essa produção situa-o como introdutor da Art Noveau nas artes gráficas no Brasil.
Embora a exposição tenha sido bem recebida apenas entre os críticos da época, foi, em parte, responsável pelo convite do prefeito Pereira Passos para realizar os trabalhos de decoração do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, obra que Visconti executou em Paris. Durante esse período de permanência na França, no início do século XX, o artista assimila definitivamente as lições do impressionismo, aplicadas especialmente às paisagens pintadas da vila Saint Hubert.
De volta ao Brasil, uma luminosidade de caráter mais tropical incorpora-se ao seu estilo, levando-o a criar um impressionismo próprio, retratado especialmente em suas paisagens de Teresópolis, cheias de luz radiosa e vibrante.
Ao longo de diversas fases, Visconti utilizou técnicas e influências naturalistas, renascentistas, realistas, pontilhistas, impressionistas e neorrealistas - conjunto que o caracteriza como artista versátil a ponto de se estabelecer como referência tanto do impressionismo quanto do design no Brasil. Falecido em 15 de outubro de 1944, sua obra permanece atual para compreender o desenvolvimento das artes plásticas no País.
Em 2005, o neto do artista, Tobias Stourdzé Visconti, iniciou o Projeto Eliseu Visconti, com a construção do site oficial do pintor. O objetivo é preservar e divulgar a memória de sua vida e obra, além de se responsabilizar pela guarda e organização de todo acervo documental relacionado. No endereço é possível acessar o catálogo de obras de Eliseu Visconti, com mais de 800 obras, entre pinturas a óleo, aquarelas, desenhos e cerâmicas.
Em setembro do ano passado foi lançado o livro "Eliseu Visconti - A Arte em Movimento", com textos de diversos autores. O livro traz informações atualizadas sobre a vida e a obra do artista e preenche a lacuna deixada pelo esgotamento da obra biográfica de Frederico Barata, de 1944.
"Trajetórias" da arte na Unifor
Em cartaz no Espaço Cultural Unifor, a exposição "Trajetórias: Arte brasileira na coleção Fundação Edson Queiroz" reúne mais de 250 obras do acervo da instituição. A coleção é uma das mais importantes e significativas de arte brasileira do século XX fora do eixo Rio-São Paulo. É o maior acervo de artes de uma universidade privada do País.
A coleção contempla os principais nomes das artes do Brasil de diferentes períodos, estilos e escolas. Expoentes do modernismo, como Candido Portinari, Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Lasar Segall, contam com obras expostas na mostra. Assim como importantes continuadores da vanguarda moderna, a exemplo de Alfredo Volpi, Burle Marx e Samson Flexor.
A grande arte do Ceará também tem espaço de destaque em "Travessias". Podem ser apreciados trabalhos de Raimundo Cela, Antonio Bandeira, Leonilson, Estrigas, Heloisa Juaçaba, dentre outros.
Com curadoria do renomado crítico de arte e curador Paulo Herkenhoff, a mostra é a primeira ação que celebra os 40 anos da Universidade de Fortaleza. "Trajetórias: Arte brasileira na coleção Fundação Edson Queiroz" proporciona uma verdadeira viagem pela história das artes plásticas no País. Os trabalhos estão organizados em núcleos por movimentos ou temas, como o modernismo, abstracionismo e arte contemporânea.
A mostra segue em cartaz até 8 de dezembro, com entrada gratuita - seguindo os princípios de democratização do acesso à arte e sua relevância no processo educacional que orientam a atuação da Fundação Edson Queiroz.
Mais informações:
Exposição "Trajetórias - Arte brasileira na coleção Fundação Edson Queiroz", no Espaço Cultural Unifor (Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz). Aberta à visitação de 22 de março a 8 de dezembro, de segunda a sexta-feira, das 8h às 20h, sábados e domingos, das 10h às 18h. Contato: (85) 3477.3319.
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