O sertão é mais do que um espaço geográfico marcado por vegetação, clima, fauna e flora particulares, elementos que fazem parte do mundo real do sertanejo, que influencia e recebe influências do seu universo imaginário, no qual homem, bicho e natureza se confundem. É nesse ambiente que se desenrola o espetáculo "Boi", do grupo goiano Z de Teatro, que promete desvendar alguns mistérios dessa relação entre homem/boi, no palco do Sesc Senac Iracema, nesta sexta-feira, às 20h. A apresentação marca a programação do primeiro fim de semana do Palco Giratório em Fortaleza, evento que acontece até o dia 30 deste mês, reunindo apresentações de companhias de teatro, dança e animação, apostando na diversidade da cultura brasileira.
Trata-se da 16ª edição do Palco Giratório, projeto realizado pelo Departamento Nacional do Serviço Nacional do Comércio (Sesc). Guido Campos Correa, 35 anos de carreira, ator do monólogo "Boi", espetáculo que realiza há quatro anos, integrando a "trilogia do sertão", que ficará completa no próximo ano, confessa receber o convite "como um prêmio". Amanhã, integrando a programação local do projeto, acontece a apresentação do espetáculo "Na Corda Bamba", do grupo cearense Teatro Novo, no Teatro Sesc Emiliano Queiroz, também às 20h.
O espetáculo "Boi", monólogo do autor goiano Miguel Jorge, segue a narrativa do realismo fantástico, faz referência à região de Goiás, ao contar a história de amizade entre Zé Argemiro e o boi Dourado, relação que nasce na infância e continua na vida adulta. Nem mesmo o casamento de Zé Argemiro com das Dores é capaz de por um ponto final nessa amizade, que mostra a ambiguidade entre homem e animal, sobretudo no que diz respeito ao campo da subjetividade.
Diferentes da conotação dada aos bois de outras regiões do País, a exemplo do Nordeste, em especial no Maranhão, onde o espetáculo já foi apresentado, o boi em questão não se restringe ao aspecto folclórico, adentra o universo psicológico.
Tanto que o espetáculo começa com um go go boy, numa discoteca, com um homem com uma cabeça de boi, num ambiente urbano, como afirma Guido Campos Correa, que realiza solo de 50 minutos. O apelo urbano é para contextualizar o "boi" na sociedade contemporânea, pontua o ator, explicando que o "sertão é igual em todos os lugares". O drama celebra as possibilidades, completando que a plateia pontua o espetáculo. O cenário econômico se resume a uma mesa, duas cabeças de boi confeccionadas artesanalmente em papel marché e dois panos, sendo um preto e outro vermelho. É nesse ambiente que o ator desenvolve o drama. "Não é totalmente regional", reitera a produtora da peça, Marci Dornelas.
Com direção de Hugo Rosa, pela primeira vez, o espetáculo é apresentado em Fortaleza. A relação de Guido Campos Correa com o sertão não é de agora, tendo apresentado o espetáculo "A terceira margem do rio", texto de Guimarães Rosa. No momento, apresenta o "Boi", prometendo fechar a trilogia no próximo ano, mas prefere não adiantar qual será o texto, bem como o autor. Sobre o monólogo que apresenta logo mais, afirma que Argemiro comporta-se como boi, explicando que o espetáculo mostra as três fases do personagem: infância, adolescência e vida adulta. Em alguns momentos, é a mãe que fala, pedindo que o filho saia do meio desse boi, outras vezes, sugere que ele case. "Casa com a das Dores", pede a mãe, afirmando que Argemiro passa por um clima de suspense.
Argemiro acaba atendendo ao pedido da mãe. Casa-se com das Dores que demonstra ter um amor soberano e possessivo. A convivência torna-se difícil, porque mesmo casado, Argemiro continua mantendo sua relação com o boi Dourado. Com ciúmes, a mulher trama a morte de Dourado. "Tudo isso é contado por um ator solo", diz, destacando a atuação de Hugo Rosas, uruguaio que reside no Brasil, na direção da peça. Diferente do trabalho "A terceira margem do rio", que apresentava grande equipe, texto denso, cenário complexo, em "Boi", o ator vive uma experiência econômica de palco. Embora, seja intensa a atuação, uma vez que o drama exige muito, sem contar com os poucos recursos usados em cena. Assim, o trabalho fica concentrado na interpretação. Uma mesa e dois pedaços de tecido formam o cenário, assinado por Hugo Rosas, assim como a luz e o figurino.
"A gente não apresenta um boi de folclore mas mostra a relação do homem com a natureza e como os bichos afetam as relações pessoais".
No sábado, é a vez da montagem "Na Corda Bamba", que reúne no mesmo palco, Antonieta Noronha e Ary Sherlock, dois ícones das artes cênicas do Estado. O espetáculo conta a história de dois grandes artistas de outrora, que vivem confinados num apartamento onde vislumbram o mundo lá fora por uma janela.
Até o dia 30 de abril, 16 grupos nacionais e nove locais que compõem a programação da 16° edição do Palco Giratório, projeto idealizado pelo Departamento Nacional do Sesc realizam apresentações em Fortaleza. As apresentações acontecem no Teatro Sesc Emiliano Queiroz, no Teatro Sesc Senac Iracema, na Escola Educar Sesc, no Mercado São Sebastião e no Centro Urbano de Cultura, Artes, Ciência e Esporte (Cuca) Che Guevara.
Mais informações:
Apresentação do espetáculo "Boi", do Grupo Z de Teatro, de Goiás, hoje, às 20h, no Teatro Sesc Senac Iracema (Rua Boris, 90, Praia de Iracema). Ingressos: R$10,00 (inteira) e R$5,00 (meia)
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