Vida e obra da escritora voltam aos palcos de Fortaleza. Beth Goulart apresenta seu solo no Theatro José de Alencar
O produtor local, Robinson Agra, assistiu ao parto. "Beth (Goulart) estava trabalhando em outro espetáculo, o ´Quartett´, quando me falou sobre este, de Clarice. Vi o projeto no papel, passei a vista e disse: ´Beth, esse vai ser o espetáculo, o projeto, você vai rodar o Brasil, vai ganhar o Shell com ele!´", afirmou. Pé quente, o Robinson. Com "Simplesmente eu, Clarice", a atriz arrematou não só o Shell de Melhor Atriz de 2010, mas o Prêmio Qualidade Brasil - Melhor Espetáculo, o Revista Contigo e o APTR de Teatro.
Mas, certamente, não apenas de boa sorte se fez "Simplesmente eu". Nele, Beth Goulart deixa sua assinatura em texto, adaptação, direção e interpretação, levando ao palco o fruto de uma paixão irreversível pela obra da escritora brasileira, nascida na Ucrânia, Clarice Lispector (1920-1977).
No monólogo, a atriz reúne quatro personagens femininas de Clarice para expor ao público seu olhar particular sobre a escritora. São elas: Joana, do romance "Perto do Coração Selvagem"; Ana, do conto "Amor"; Lóri, do romance "Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres"; e outra que se autodenomina "A mãe de Deus", do conto "Perdoando Deus".
Apresentada desde 2009, a montagem não sofreu modificações. "Não se vê necessidade de reciclar nada. A vida e a obra de Clarice estão ali, em essência. Foi um texto muito bem costurado desde o início, por isso se mantém atual e vivo", defende Agra. "Simplesmente eu, Clarice" subiu aos palcos cearenses durante o Festival de Teatro de Guaramiranga de 2010 e através do projeto "Grandes Espetáculos", no Teatro Celina Queiroz, em maio do ano passado.
Figuras
"Elas constroem o meu olhar sobre Clarice: uma é mais humorada, a outra mais família, a outra estabelece uma relação com o sobrenatural. A partir delas, acho que consegui criar a minha linguagem da vida e da obra para chegar até ela", explicou Beth Goulart. Dramaturgicamente, as personagens femininas são intercaladas a narrações da própria Clarice. Para interpretá-las, Beth Goulart se desfaz das marcas próprias da escritora - elementos de construção como o cigarro, o sotaque e detalhes do figurino.
No auge da adolescência, ao ler "Perto do Coração Selvagem", romance de estreia da autora, Beth identificou-se prontamente com Joana, uma mulher inquieta e criativa. Foi a primeira personagem de Clarice que a atriz conheceu. "Eu achava que não era compreendida. O que fazer com isso tudo dentro de mim, com esse processo criativo? Só Clarice me entendia", confessa. Depois de Joana, que representa o impulso criativo selvagem, vieram outras personagens.
Uma delas é Ana, do conto "Amor", que leva uma vida simples, dedicada ao marido e aos filhos e tem sua vida transformada pela beleza do Jardim Botânico. No espetáculo, Ana representa a fase em que Clarice se dedicou totalmente à sua família.
Já Lóri, a solitária professora primária, e a mulher sem nome, que se autodenomina "A mãe de Deus" ajudam o texto a enveredar sobre temas como amor, vida e morte, Deus e solidão - questões filosóficas universais tão marcantes na obra de Lispector.
Para o monólogo, a atriz passou dois anos mergulhada em longa pesquisa. A narrativa se constrói a partir de trechos de entrevistas, depoimentos e correspondências. Segundo ela, toda essa ligação se dá por uma única linha: o amor. "Ela falava sobre o amor maternal, o do relacionamento, o amor a Deus, à natureza, ao próximo. Escolhi esse viés para apresentá-la ao público".
Mais informações:
Espetáculo "Simplesmente Eu, Clarice", com Beth Goulart.
Amanhã, às 20h, e domingo, às 19h, no Theatro José de Alencar (Rua Liberato Barroso, 525 - Centro). Ingressos: R$ 35 (meia) e 70 (inteira).
Contato: (85) 3101.2583
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