O jornalista Mino Carta lança livro hoje em Fortaleza, reunindo 30 anos de histórias, entre memórias e ficção
O tempo em uma redação de jornal corre, sem dúvida, em um passo diferente do que há fora dela. É intenso. E dela, apenas parte vira notícia. Há mais sob os olhos de um jornalista do que comportam as páginas dos jornais. "O Brasil", romance que Mino Carta - criador de revistas como a Veja, IstoÉ e atual editor da CartaCapital - lança hoje em Fortaleza, é um concentrado dessas histórias restantes - encontros, telefones, confrontos de interesses, intrigas, - presenciadas pelo jornalista e, sob a perspectiva histórica, transformadas em literatura. O lançamento terá apresentação do ex-ministro Ciro Gomes.
Polêmico e crítico ácido à grande imprensa e elite política e econômica brasileira, Carta completa, em 2013, 80 anos. Italiano, de Gênova, chegou a São Paulo em 1946. Ingressou no jornalismo no início da década de 1950, como correspondente esportivo. O livro dá sequência a produção ficcional do jornalista, que publicou "O Castelo de Âmbar", em 2000, e "A Sombra do Silêncio", em 2003. A experiência a frente de importantes publicações é o fio condutor da trama que resgata os bastidores da imprensa e da política do País, partindo morte de Getúlio Vargas aos anos de queda do regime militar, na década de 1980.
Cercada de ironia, a literatura de Carta expõe passagens obscuras da mídia e da política, com histórias povoadas por personagens e acontecimentos reais. Do primeiro contato do personagem Abukir com uma redação de jornal - levado aos oito anos pelo pai em busca de informação sobre a morte de Getúlio Vargas - aos anos em que paulatinamente ganha influência no meio jornalístico, a ficção vem carregada de referências não ficcionais.
Em certas passagens, lado a lado, estão Abukir, o ex-presidente (e à época sindicalista) Lula, o jurista e ex-ministro Almir Pizzianotto e o próprio Mino Carta, tratado em terceira pessoa como editor da revista Veja. Aos 34 capítulos ficcionais, Mino Carta adiciona entreatos em primeira pessoa, parêntesis à trama, onde rememora diálogos, encontros, cenas que permeiam os acontecimentos da ficção.
Entrevista
"É um livro singular ao seu modo, sem nenhuma pretensão de ser excepcional. É diferente. Porque a vida é isso, é ficção. Os cenários do livro são absolutamente verídicos. As circunstâncias, as histórias, são absolutamente verdadeiras", garante Mino Carta, em entrevista ao Diário do Nordeste. Para o jornalista, a correspondência entre as cenas criadas e a realidade é a grande virtude da trama.
"Quando essas personagens autênticas surgem, elas motivam as minhas recordações. São personagens com as quais eu convivi", diz. A opção pela literatura, explica Mino Carta, foi uma maneira de escrever sobre essa vivência de Brasil, intensa e próxima do poder, mas fugindo ao memorialismo. "Eu realmente fujo de escrever um livro de memórias. Não me acho do tamanho correto para escrever um livro de memórias. Tinha que ser escrito por Churchill, para mim seria ridículo", pontua. A memória cede, então, substrato para uma ficção que a espelha.
Dentre os personagens reais - que permeiam tanto os entreatos como a parte ficcional - estão dois grandes amigos de Carta, o escritor e cientista político Raymundo Faoro e o jornalista Cláudio Abramo. "Ambos foram, sem falsa retórica, dois irmãos. Foram duas pessoas com as quais convivi de forma muito profunda", justifica. Os dois pontuam alguns dos bons diálogos do livro.
Críticas
Desde 1993, Mino Carta está à frente da revista CartaCapital, criada após deixar a edição da revista IstoÉ. Antes, colaborou com a revista Anhembi, foi redator da agência Ansa, dos jornais La Gazzetta del Popolo e Il Messaggero, na Itália, fundou e foi diretor de redação da Quatro Rodas, da edição de esportes de O Estado de S. Paulo, da revista Veja. Sobre sua atuação como jornalista, ele lembra ter ingressado na profissão de maneira circunstancial. "Comecei no jornalismo com ideias bastante fortes em relação as questões politicas, mas sem nenhuma pretensão. Eu queria era viver. A ditadura militar foi fatal para mim. Nela cheguei a conclusão que jornalismo é algo muito importante. Mais do que pode parecer a primeira vista. E que o jornalismo pode ser uma forma de literatura muito significativa. Então passei a ser um jornalista de verdade", lembra.
Entre críticas ao jornalismo, ao poder e à produção cultural como um todo, recentemente Mino Carta escreveu artigo polêmico em que lamentava o atual "deserto cultural em que vivemos". Se o texto teria sido mal interpretado, ele comenta, "não me preocupo com a repercussão. Escrevo o que penso, sei que a franqueza é uma escolha de vida muito complicada. Mas a esta altura do campeonato, eu não tenho receio". E reafirma: "Quem temos como grandes escritores no Brasil de hoje?", dispara novamente o também escritor.
LIVRO
O Brasil
Mino Carta
Record
2013, 355 páginas
R$ 44,90
Mais informações:
Lançamento do livro "O Brasil", de Mino Carta. Hoje, às 19h30, no auditório do Dragão do Mar (Rua Dragão do Mar, 81 - Praia de Iracema). Contato: (85) 3488.8600
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