Ainda nos seus primeiros anos de vida, Mário de Andrade foi considerado um pianista prodígio. Como aluno do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde depois seria professor, ele recebeu educação formal e se destacou como músico, mas acabou se desiludindo com a chance de seguir carreira na área. Ainda assim, depois de se aproximar cada vez mais da literatura, não deixou de prestar importantes contribuições para a história da música brasileira.
No entanto, além da música ou da literatura, um dos principais interesses desse paulistano nascido em 9 de outubro 1893 era pelas raízes da cultura nacional. Aqueles traços mais profundos, que guardam as matrizes do pensamento e dos costumes de um povo. Um dos mentores da Semana de Arte Moderna, realizada em 1922 no Teatro Municipal de São Paulo, Mário de Andrade era avesso às invasões da música americana e tinha restrições ao papel do arranjador, uma vez que ele daria um polimento na forma mais pura da criação musical. Para celebrar os 120 anos desse pensador, o Vida & Arte começa hoje uma série mensal que busca apresentar as visões de Mário de Andrade sobre o Brasil e sua cultura.
Além de ter exercido cargos públicos, sempre na área da cultura, e de ter viajado pelo Brasil registrando diversas manifestações folclóricas, Mário de Andrade deu inúmeras contribuições como colecionador e crítico. Numa época em que a produção discográfica dava seus primeiros e curtos passos, Mário de Andrade começou a juntar gravações que continham discursos, cantos de pássaros, música erudita, popular, folclórica e outras coisas. A discoteca chegou a 544 títulos, entre nacionais e internacionais, todos em 78 rotações.
Um costume que o paulistano adquiriu, na virada da década de 1920, foi de aproveitar o início do dia, quando fazia a barba, para colocar alguns dos seus discos para tocar na vitrola de corda. À medida que a lâmina ia fazendo seu serviço, Mário ia analisando o que ouvia. Ao final, ele registrava à mão suas impressões nas capas dos discos. Para facilitar o trabalho, ele até substituiu os envelopes originais dos discos, que sempre vinham repletos de propaganda (na época não existia o que hoje se conhece como capa), por outros envelopes em branco, de cartolina.
A discoteca variada de Mário de Andrade ganhou volume também por conta de um amigo funcionário da fábrica Victor, que passou a lhe mandar todos os lançamentos de música popular que saíam. Tudo era organizado e catalogado por ele. De Carmem Miranda a Pixinguinha, quem passou pela sua vitrola teve direito a uma crítica afiada. A composição “Meu amor”, de Catulo Cearense lançada em 1929, recebeu o seguinte comentário: “são modinhas muito típicas de Catulo Cearense. o que valem pouco mais que nada. Cheira desastrosamente a cançoneta”.
Reunidas no livro A Música Popular Brasileira na Vitrola de Mário de Andrade (SESC SP, 2003), as opiniões do modernista sobre produção musical passavam por elementos técnicos, históricos e fonéticos. De Carmem Miranda, por exemplo,ele construiu análises sobre a pronúncia do “s”.
A discoteca de Mário de Andrade também serviu para a realização de audições coletivas entre amigos. Era o escritor atuando como DJ, bem antes dessa sigla existir de verdade.
Saiba mais
Um dos nomes à frente do movimento modernista no Brasil, Mário Raul de Morais Andrade nasceu em São Paulo, em 9 de outubro 1893. Bem nascido numa família aristocrática, ele construiu uma obra de peso como crítico, ensaísta e pesquisador. São dele obras célebres, como Macunaíma (1928) e Paulicéia desvairada (1922).
Em 2013, quando se completam os 120 anos de nascimento de Mário de Andrade, o Vida & Arte publica uma série mensal de reportagens que apresenta algumas das vertentes da obra desse paulistano. Da crítica aos diários de viagem pelo Brasil, a cada mês traremos um novo capítulo sobre seu pensamento.
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