Fazer da fotografia um meio para dizer ao mundo das suas convicções deu a Sebastião Salgado o reconhecimento como um dos mestres da fotografia documental contemporânea. No ensaio Trabalhadores, realizado entre 1986 e 1992, as lentes de Salgado mostraram o trabalho penoso a que se submetem milhares de homens e mulheres ao redor do mundo. Em Êxodos (1994-1999), ele retratou o deslocamento de famílias fugidas de guerras, da pobreza e repressões. No ensaio documental que acaba de lançar no livro Genesis, mais uma vez, foi o ativismo do fotógrafo mineiro de 69 anos que deu o rumo.
Lançado pela editora Taschen, a obra é fruto de oito anos de viagens por mais de 30 países - distribuídos por África, Ásia, Américas, Oceania e Antártica. Neles, Salgado buscou cenários por onde a tal modernidade ainda não passou. O ensaio traz as marcas da fotografia de Salgado, conhecido pelo uso do preto e branco e a valorização do jogo entre sombra e luz. “O maior aprendizado (com o ensaio) foi descobrir que ainda temos 46% do planeta como no dia do gênesis. Eu achei isso fabuloso, uma mensagem superpositiva. Descobri durante os oito anos de viagens que tudo nesse planeta é integrado, é vivo, e que nós da espécie humana, que vivemos no máximo 70, 80 anos, temos um grande defeito de calcular tudo em muito curto prazo”, contou o fotógrafo, em entrevista ao portal da Vale do Rio Doce, uma das empresas patrocinadoras do projeto.
Os oito anos de captação de imagens consumiram 8 milhões de euros, 1 milhã o por ano (R$ 20,8 mi) e resultaram em um livro que chega ao público em dois formatos: um em capa dura, com 520 páginas; e outro voltado para colecionador, com dois volumes de 46,7 x 70,1 cm de dimensão e tiragem limitada a 3 mil exemplares numerados e assinados por Sebastião Salgado (U$ 4 mil). O projeto se desdobra ainda em uma série de exposições que teve início em Londres e no dia 28 de maio, deve chegar ao Jardim Botânico, no Rio de Janeiro. Outro fruto é o documentário em longa metragem A Sombra e a Luz, realizado pelos diretores Juliano Ribeiro Salgado – filho de Sebastião – e pelo alemão Wim Wenders, com estreia prevista para setembro.
A viagem
O impulso para expedição de Genesis veio depois que Salgado, desencantado com o mundo após testemunhar cenários desoladores durante a captação de Êxodos, decidiu voltar à sua terra natal – Aimorés, na região do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais – acreditando que encontraria ali o mesmo paraíso em que viveu na infância. O que viu, entretanto, foi uma terra sofrida e uma mata devastada. A tentativa de salvar a área fez nascer o Instituto Vida, entidade encabeçada por ele e a esposa Lélia Wanick Salgado (editora de Genesis), cujo foco principal é a recuperação da paisagem natural do Vale do Rio Doce. Dos trabalhos no Instituto surgiu a vontade de fotografar o mundo “intocado”. “Genesis é uma amostra do que precisamos preservar no mundo. E o trabalho do Instituto Terra é uma amostra do que devemos fazer”, disse ele à Folha de São Paulo.
Acompanhado de uma equipe de assistentes, Salgado jogou-se no mundo para fotografar. No ano em que completa 40 anos de carreira, as idas e vindas do fotógrafo pelos aeroportos obrigou-o a aposentar a máquina a filme e conhecer o ambiente digital. À Folha, ele contou que, em 2008, quase abandonou o projeto por causa dos raio-x nos aeroportos, o que danificava o material registrado em filme. Foi aí que o senhor do preto e branco rendeu-se aos cliques digitais. Adversidades do tempo e as diversas doenças que pegou durante a jornada também o fizeram repensar o projeto.
Quando esteve acompanhando uma comunidade de nômades criadores de renas, na península do Yamal (Rússia), por exemplo, Salgado chegou a encarar -45°C. A água que consumiam eram as pedras de gelo retiradas diretamente das geleiras e levadas para derreter no fogo. Resultado: mais de 40 dias sem banho. Caminhadas de 800 quilômetros e um sem número de picadas de insetos e ataques de bichos também entraram na lista de aventuras. Por vezes, o fotógrafo precisou carregar até painéis solares para produzir energia elétrica.
Para quem acompanha o trabalho de Salgado há tempos, cada novo projeto é uma surpresa e a certeza de que todo o esforço do fotógrafo para captar as imagens têm um porquê. “Eu acho o Salgado o melhor fotógrafo do mundo. Ele tem um olhar político sobre o mundo, sobre a política e eu gosto disso. Pensar o meio ambiente e colocar isso em imagens para a gente pensar também, é fantástico”, diz o fotógrafo Silas de Paula, professor do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará. “A fotografia do Salgado sempre me impressiona. Li um dia desses um texto que dizia que ‘a fotografia tem que arder’ e eu acho que a do Sebastião Salgado arde”, completa.
SERVIÇO
GENESIS
Editora: Taschen
Autor: Sebastião Salgado
Preço médio: R$ 169 (U$ 4.000 edição de colecionador)
Páginas: 520
Outras informações: genesis@taschen.com
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