Os amigos de longa data – o escritor brasileiro João Ubaldo Ribeiro e o fotógrafo alemão Bernd Bühmann – estão em Fortaleza para dialogar artisticamente: cada um a seu modo, eles percorreram Berlim e registraram o movimento frenético da cidade. Ubaldo, no livro de crônicas Um Brasileiro em Berlim, brincou com os estereótipos e com as imagens sobre a língua, a cultura, a vida alemãs; Bühmann, através de sua lente e de suas pesquisas, captou os detalhes da vida na megalópole. Os dois estarão na Escola Educar Sesc, logo mais às 19 horas, na abertura do ano da Alemanha no Brasil, aqui no Ceará.
Ubaldo vai contar da experiência que deu origem ao livro. Ele foi convidado pelo Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (Daad, na sigla em alemão) para o programa de residência artística na capital do país. Era 1990, o muro de Berlim havia caído no ano anterior e a Alemanha rumava para uma reunificação inevitável - apesar de difícil -, momento propício para uma discussão da própria identidade. O escritor ficaria até 1991 e o jornal Frankfurter Rundschau lhe encomendou uma crônica mensal sobre a vida no lugar.
O contato entre o baiano de Itaparica e os teutônicos acabou iluminando que identidade se constrói em torno de brasileiros e alemães. “João Ubaldo vê tanto a si mesmo quanto os berlinenses e as pessoas que encontra com muito humor. Ele percebe as particularidades. Por exemplo, ‘amanhã’ tem uso diferente entre brasileiros e alemães. E ele esclarece isso para os alemães”, destaca a professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), leitora do Daad e também amiga de Ubaldo, Ute Hermmans. Em “Os índios de Berlim”, por exemplo, é um estranhamento duplo, nota o supervisor regional de Literatura do Sesc e escritor, Carlos Vasconcelos. Os alemães admiram que Ubaldo, um brasileiro, não conheça a Amazônia; ele se espanta com a exigência.
Esse estranhamento, um gesto antropológico inicial para depois se chegar ao outro, está presente em todo o livro. Só assim Ubaldo pôde falar do Brasil através da Alemanha. Não à toa o livro é um sucesso por lá. Até hoje. Mesmo tocando em temas delicados, como a reação da cidade ao visitante num momento penoso de sua história. “O outro é um intruso, cuja fala, modo e franqueza são inaceitáveis”, observa Ubaldo a certa altura da crônica “A velha cidade guerreira”.
De quando foi escrita para cá, a coletânea não perdeu a graça e o viço. No entanto, os dois países mudaram. O ano da Alemanha no Brasil é uma forma de mostrar isso. O presidente Joachim Gauck disse no discurso de abertura das comemorações, em São Paulo, esta semana, que Ubaldo teria escrito outro livro se o fizesse atualmente. Para ele, o país europeu ficou “mais aberto”, “mais internacional”, “relaxou mais” e gosta mais de si mesmo. E ainda convidou as pessoas a encontrar a Alemanha “sem preconceitos”, reportou a Deutsche Welle, a agência de notícias alemã.
Segundo Ute Hermmans, com quase 82 milhões de habitantes, a Alemanha quer se mostrar como um país moderno – cheio de ideias para enfrentar os problemas do século XXI, em temas como moradia, energia e desenvolvimento tecnológico. Mas também efervescente culturalmente. O lema deste ano é “Quando ideias se encontram”. “O que se busca num evento desse é o conhecimento mais amplo, um maior entrelaçamento entre os países. E, se não solucionar as visões estagnantes, que pelo menos alivie”, diz Carlos, avaliando que ainda há um jogo de desconhecimento de ambos os lados.
As discussões, em diversas áreas, seguem até 2014. A primeira aqui no Ceará é a palestra de Ubaldo com a participação de Bühmann. No dia seguinte, 18, às 18 horas, a galeria do Sesc Iracema recebe, do fotógrafo, a exposição Berlim – imagens de uma metrópole, uma foto e videoinstalação que fica até dia 2 de junho.
Bühmann percorreu os lugares em que Ubaldo viveu, como a extremidade norte da importante avenida Kufürstendamm, na rua Storkwinkel, número 12. Observou os detalhes dos transeuntes nas artérias de Berlim e transformou em imagens suas impressões sobre o povo alemão. “Ele mostra como é o camelô na Alemanha e como as pessoas na rua ganham seu pão”, explica Hermmans. Na finissagem da exposição, haverá leitura de textos de escritores dos dois países.
SERVIÇO
Abertura do ano “Alemanha + Brasil 2013-2014” no Ceará
O quê: Palestra Um Brasileiro em Berlim, do escritor João Ubaldo Ribeiro
Quando: hoje, dia 17, às 19 horas
Onde: Escola Educar Sesc (av. José Jatahy, 813 – Farias Brito).
O quê: Exposição Berlim – imagens de uma metrópole, do fotógrafo alemão Bernd Bühmann
Quando: dia 18, às 18 horas
Onde: Galeria do Sesc Iracema (rua Boris, 90 – Praia de Iracema)
Saiba mais
Na programação, a Young Euro Classic, com músicos dos dois países, tocará no Theatro José de Alencar agora em junho; a bailarina brasileira Regina Advento, da companhia de Pina Bausch, participa do Ateliê Internacional de Dança, em julho; e palestra, em outubro, com o editor da Cosac Naify, Jorge de Almeida, que publicou três volumes com textos sobre o pensamento alemão do século XX.
Em 2014, já estão previstas uma exposição sobra a escola de arquitetura e arte Bauhaus, que vai circular o Brasil, e a vinda do KulturTour, caminhão com livros, filmes e informações sobre o país que está geograficamente no coração da Europa.
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