Sob medida para o Palácio da Abolição, a exposição "LUZ" traça uma retrospectiva de suas criações no Estado
Três grandes pirâmides sobre as dormentes do Mausoléu Castelo Branco obrigam o visitante - acostumado a olhar o terreno irregular onde se pisa - a voltar a vista para cima. As formas triangulares em aço vazado e de grandes proporções são o portal de entrada para a nova exposição do artista cearense Sérvulo Esmeraldo, "LUZ", em cartaz no Palácio da Abolição.
Elemento chave do trabalho do artista, a luz é lançada sobre sua própria trajetória. Sessenta peças perpassam suas diversas fases criativas no Estado. Nascido no Crato, em 1929, Sérvulo atua como gravador, ilustrador, pintor, escultor. Contemporâneo de nomes como Inimá de Paula, Antônio Bandeira e Aldemir Martins, na extinta Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP), projetou-se internacionalmente na França, com trabalhos cinéticos como a série "Excitáveis". É, hoje, um dos artistas mais presentes nas ruas de Fortaleza, assinando inúmeras de obras públicas, monumentais e, infelizmente, mal cuidadas.
Dispostas ao longo do jardim e no interior da sede do Governo do Estado, estão gravuras das décadas de 1960 e 1970, sólidos em aço de 1980 e trabalhos recentes, que utilizam linhas e acrílico. A visitação é gratuita de terça a sexta-feira, de 9 h às 17 horas e aos sábados e domingo a partir das 13 horas, realizadas sob agendamento prévio por telefone.
Trajeto
A concepção da mostra no Palácio da Abolição, segundo propõe a curadora Dodora Guimarães, problematiza a luz em diversas dimensões. Além do resgate panorâmico da produção de Sérvulo, a ideia é explorar a onda eletromagnética em sua obra e como elemento capaz iluminar também os traços arquitetônicos de Sérgio Bernardes, responsável pelo projeto do prédio. Encoberto do grande público pelo isolamento da segurança, com a mostra, o prédio também é posto em evidência.
As obras foram distribuídas ao longo de vários espaços, propondo um percurso pontuado por arte e arquitetura, que começa pelas dormentes do Mausoléu, passando pelo jardim de entrada e seguindo para o interior do prédio.
Já no gramado, ilustra Dodora, estão dois estilos de obras que dialogam com a luz, tendo suas formas modificadas de acordo com o posicionamento do observador e com a sombra projetada. "As Folhas Mortas" sobre o gramado, problematiza, são criações recentes, mas remetem a trabalhos antigos de Sérvulo. "Ele é um artista que está sempre revisitando seu trabalho, utilizando formas que já trabalhou. Tanto faz mostrar uma obra dos anos 1960 ou dos anos 1990, você vai identificar como o autor do mesmo pensamento. O que tem nessa linha é a evolução deste pensamento", argumenta. As peças são produtos mais delicados de um pensamento que está presente em sólidos da década de 1970 e 1980. "Elas são mais simples do que esculturas que estão no interior do palácio", completa.
Algumas peças incluídas na mostra foram produzidas na França, a exemplo de desenhos e discos disposto em um dos salões internos do prédio. Dodora explica que são criações nos moldes do que foi posteriormente explorado no Ceará e servem de referência ao observador do caráter cíclico de seu trabalho. "É o que falamos da recorrência. Esse pouco vocabulário que ele utiliza, como ele é trabalhado, como ele é decantado e como ressurge com outras obras", aponta. Sérvulo deixou o Ceará em 1951 rumo a São Paulo, onde permaneceu até 1957, quando mudou-se para a França. A partir de 1975, voltou a frequentar o Ceará com certa constância. Em 1978, regressa em definitivo à terra natal.
Destaques
Na galeria do Palácio, estão dispostas a maior parte das peças. Um jardim externo, separado apenas por uma esquadria transparente explora mais uma vez a luz, que une aparentemente os dois ambientes, ao atravessar o vidro e compor uma espécie de grande salão iluminado.
Na parede do salão, é possível perceber a evolução do vocabulário geométrico do artista. Um cubo, que antes era feito em forma maciça, aparece agora em linha planas. "Ele tira a massa da escultura", constata Dodora. Os cubos lineares, explica, ilustram também o jogo de luz e sombra explorado por Sérvulo. "A sombra não é a ausência da luz, é o outro lado dela. Ela completa a forma, é solidária à luz".
Entre as obras pelas quais a curadora, também esposa do artista, têm um carinho especial, está o conjunto de três chapas metálicas expostos em uma das paredes da galeria. A peça tríplice, explica, foi concebida na década de 1990. Durante anos, o desenho ficou exposto na parede do quarto do casal, sem nunca ter sido realizado. "Estava arquivado desde que nos mudamos. Ano passado, ele resolveu executá-lo. Quando vimos ele concretizado, grande, ficamos maravilhados", conta.
Mais informações
Exposição "LUZ"do artista plástico Sérvulo Esmeraldo. Em cartaz no Palácio da Abolição (Rua Silva Paulet, 400 - Meireles). Visitação gratuita de terça a domingo. Agendamento: (85) 3466.4981
Entrevista com Sérvulo Esmeraldo
"Desde muito novo, trabalho com imagens geométricas"
Qual a influência das suas viagens para seu trabalho?
Não sei se minha obra seria diferente se eu tivesse ficado no Brasil. A França, naquela época, era, talvez, o local onde havia maiores possibilidades para as obras de arte. Havia reconhecimento e demanda, coisas importantes para o artista não ficar parado. Tem uma coisa que é muito importante: o ambiente. Quando você está falando e alguém escutando; quando está fazendo uma obra de arte e alguém observando. Na Europa, eu tinha um bom público, em número e qualidade.
Como foi a volta ao Ceará?
As coisas acontecem. Quando eu vim para o Ceará, a UFC estava muito ativa. O professor Martins Filho (fundador e ex-reitor) era uma pessoa que tinha uma visão ampla. A universidade para ele não era só direito, nem medicina, tinha também a cultura. Voltei para fazer uma exposição de artistas Europeus na UFC a pedido do Fran Martins. E aqui, apareceram solicitações de obras, de exposições.
De onde vem sua preferência pela formas geométricas?
O gosto pela geometria veio desde a infância. Desde muito novo, trabalho com imagens geométricas. Talvez porque fossem mais fáceis de fazer do que uma figura humana. Digo isso, mas eu também era capaz de fazer a figura humana. Só que nunca me interessou muito.
Uma boa leva de suas obras no Ceará tem a dimensão monumental. Qual a razão disso?
Me solicitaram. Eu nunca tinha feito. Minha escultura era em pequenos formatos até então. Foi aqui no Ceará que desenvolvi o grande formato. Tive uma escola que foi a metalúrgica Fundição Cearense. Eles executavam minhas obras e me ensinaram muita coisa. Quando estava na França, estudei a técnica da escultura, mas era uma técnica formal. O fazer é diferente disso. A maneira de fazer, a técnica, eu aprendi aqui. Cada material requer um tipo de trabalho e a possibilidade de realização. Você aprende a pensar já em função dele. Não pensa besteira.
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