De quinta a domingo, passa por Fortaleza a remontagem de "Murro em Ponta de Faca", de Augusto Boal
Em 1971, o diretor e dramaturgo Augusto Boal (1931-2009, criador do Teatro do Oprimido) foi preso, torturado e condenado ao exílio pela ditadura militar brasileira. A experiência levou-o a escrever, no mesmo ano, o texto "Murro em Ponta de Faca", que aborda a realidade por ele enfrentada, a do afastamento forçado da terra natal, do isolamento e de ter arrancado tudo que lhe é familiar.
Sete anos depois, Boal enviou o texto a um amigo, o ator e diretor Paulo José, que abraçou o desafio de montar um espetáculo. Homônima, a peça estreou em 1978, ainda durante o regime ditatorial, e conta a história de um grupo de exilados brasileiros em sua trajetória pelo Chile, Argentina e França.Mais de três décadas após essa primeira experiência, a produtora e atriz curitibana Nena Inoue, do grupo Espaço Cênico (Curitiba-PR), convidou Paulo a retomar o espetáculo. Selecionado em diferentes editais, "Murro em Ponta de Faca" chega a Fortaleza pelo circuito Caixa Cultural. As apresentações acontecem entre os dias 27 e 30 de junho (quinta a domingo).
Motivação
A proposta surgiu a partir de uma leitura dramática do texto de Boal. "Fazíamos parte de um grupo chamado Projeto 70, voltado à pesquisa do período da ditadura brasileira. Entre as ações desenvolvidas estava ler textos do período. ´Murro´ acabou sendo um deles, tanto por sua importância quanto pelo fato de, particularmente, a questão do exílio ter nos mobilizado muito", recorda Inoue.
"Durante a leitura, em uma sala com cerca de 60 pessoas, a reação da plateia foi surpreendente. Em especial, notamos um garoto de uns 16 anos, que chorou bastante. Entendi que era necessário levar essa história à nova geração, que não sabe ou não viveu o período", justifica a atriz.
Já a ideia de chamar novamente o diretor Paulo José foi dada pela preparadora vocal Babaya, que à época trabalhava com o Espaço Cênico, entre outros grupos de Curitiba e do País. "Ela foi a ponte para o contatarmos, expliquei todo o projeto, ainda pensando que ele era muita areia para meu caminhão", brinca Inoue.
O diretor, porém, concordou, tanto pela óbvia afinidade com o trabalho quanto por sua importância. "Ele foi generoso", reconhece a atriz.
Distanciamento
Segundo Inoue, a estrutura do espetáculo é basicamente a mesma da primeira versão (1978). A única mudança foi a adaptação para palco italiano. "Em uma turnê é difícil encontrar teatros do tipo arena, para o qual ´Murro´ foi concebido", explica a atriz. Outra diferença seria um caráter menos político e mais emocional da nova montagem. "À época, a peça abordava algo que de fato estava acontecendo. Por isso, tinha um viés mais político", observa Inoue.
Embora esse aspecto ainda seja importante - no sentido de recordar um período difícil da história do Brasil, esquecido ou mesmo desconhecido por muitos -, com o distanciamento dos fatos pode-se focar mais no drama dos personagens, que têm motivos diversos para estar ali. "O grupo de personagens é composto por um casal de ´burgueses´, um de operários e outro de intelectuais. Nem todos são de esquerda, e há essa agonia de ser obrigado a conviver com aquela situação, de estar fora do seu lugar, exilado não apenas geograficamente, mas de tudo que lhe é querido, familiar", ressalta Inoue.
Em tempos de protestos da população nas ruas, que pipocam em todo o País, Murro em Ponta de faca torna-se ainda mais atual. "A expressão significa nadar contra a corrente, um ato de resistência. No caso do exílio, mesmo que não aconteça hoje literalmente, ocorre de outras formas. Quando não se tem acesso à educação ou informação, por exemplo, isso é um tipo de exílio", compara a atriz - que frisa ainda o aspecto de resgate de um período da história do País esquecido ou desconhecido por muitos.
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