O sertão e o sertanejo, de marcas duras na paisagem e no rosto, se suavizaram pelas mãos do artista visual Aldemir Martins (1922 - 2006). O cearense nascido na pequena Aurora, no Cariri cearense, gravou a importância de sua obra no cenário artístico nacional, não apenas por carregar em si uma das interpretações do brasileiro, mas também pela qualidade e particularidade das técnicas empregadas - em pinturas, desenhos, ilustrações e esculturas.
Falecido em 2006, após um infarto, Aldemir Martins e seu legado ainda dialogam com artistas contemporâneos e insurgentes. Para desenvolver e incentivar a arte do desenho, principalmente utilizando a técnica bico-de-pena adotada pelo cearense, foi realizada a oficina "Traço a traço: uma jornada através do universo de Aldemir Martins" na Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho, equipamento da Secretaria da Cultura do Estado (Secult), durante a primeira semana de julho."Este ano Aldemir completaria 91 anos. Era uma oportunidade para prestar homenagem e ao mesmo tempo divulgar o trabalho dele", justifica Fernando França, artista plástico com mais de 20 anos de trajetória, tendo incursões regulares pela pintura e pelo desenho. França foi o responsável por ministrar o curso e também por apresentar o estilo do bico-de-pena para a maioria dos participantes. "A ideia era repassar essa técnica e manter essa tradição ainda viva aqui", afirma.
Na ponta da pena
Originalmente utilizada apenas para escrever, a pena tornou-se instrumento também para a ilustração. "Embora seja bem rudimentar, a pena permite uma flexibilidade muito grande de traços", explica França, elogiando a ferramenta trabalhada no curso. Combinando e coordenando movimentos e pressões sobre ela, a delicadeza e a riqueza de detalhes possíveis dentro do desenho se ampliam, segundo o artista. "É diferente da caneta de nanquim, que tem um traço muito uniforme".
"É uma técnica que continua sendo trabalhada, mas o interessante é que quase nenhum dos meninos (alunos da oficina de desenho) já havia trabalhado com a pena", revela Fernando França. A partir de hoje, uma mostra alocada na própria Escola de Artes e Ofícios expõe os 25 primeiros trabalhos de 15 jovens artistas utilizando o instrumento característico de Aldemir.
O diálogo, porém, não é meramente técnico. As aulas também buscaram compreender e recriar as figuras típicas da obra do cearense, personagens carregadas de significado e de atemporalidade. Mais do que produtos finais da oficina, os desenhos são exemplos de reinterpretação e intervenção sobre a obra de Martins.
Naturezas parecidas
Fernando França nasceu no Acre, mas radicou-se no Ceará. Quando ainda era apenas estudante de Letras na UFC, ingressou nas artes visuais como desenhista de histórias em quadrinhos, através de participação em mostras de festivais universitários no Museu de Arte da UFC (Mauc), no início da década de 90. Duas décadas depois, Fernando já expôs seus desenhos e pinturas em mostras brasileiras, francesas, alemãs e portuguesas.
O contato entre as artes praticadas por Fernando França e Aldemir Martins surgiu pela semelhança de práticas e gostos. "Eu descobri alguns temas que ele sempre trabalhou, como os temas nordestinos, a figura nordestina, e trabalhei dentro do meu estilo", revela França. A técnica do bico-de-pena também é compartilhada entre os dois.
Mais informações:
Exposição Traço a traço: uma jornada através do universo de Aldemir Martins
De 22 de julho a 15 de agosto
Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho (Av. Francisco Sá, 1801, Jacarecanga)
Entrada gratuita
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