Mostra comemorativa dos 50 anos de carreira do artista baiano Waldomiro de Deus chega a Fortaleza
As referências atestam a qualidade do trabalho. Pinacoteca do Estado de São Paulo, Museu de Arte Brasileira da FAAP, Museu de Arte Contemporânea da USP e Museu Edson Carneiro (Rio de Janeiro) estão entre as instituições culturais que abrigam obras do artista plástico Waldomiro de Deus, espalhadas ainda por coleções particulares.
Considerado um dos maiores nomes da pintura naïf no Brasil, Waldomiro inaugurou ontem, no Espaço Cultural Correios Fortaleza, a exposição individual "Waldomiro de Deus - 50 Anos de Pintura - arte naïf brasileira", em homenagem ao meio século de profícua carreira.
Hoje, o artista retorna ao espaço para nova programação, com direito a brunch, visita guiada e realização de pintura ao vivo - boa oportunidade de conferir com detalhes seu processo de criação.
Ao todo, são 21 pinturas e três desenhos, criadas nas últimas cinco décadas e coletadas de coleções particulares. As imagens materializam temas diversos como natureza, amor, a vida cotidiana e a espiritualidade, além de grandes acontecimentos mundiais - como o ataque terrorista às Torres Gêmeas (Nova York), em 2001.
A curadoria ficou a cargo do crítico de arte Enock Sacramento, que acompanha a carreira de Waldomiro há mais de três décadas e recentemente finalizou sua biografia, a ser lançada em breve. Para o especialista, suas pinturas são "projeções de um Brasil profundo e como manifestação cultural digna de ser vista e refletida".
Para o Espaço Cultural Correios em Fortaleza, a exposição foi adaptada para o tamanho menos do local. A mostra já passou por São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador.
Ajuda
A futura biografia promete emocionar, ao trazer detalhes da trajetória difícil de Waldomiro. Natural da pequena Itajibá, interior da Bahia, ainda criança passou dificuldades em São Paulo. Chegou a dormir nas ruas até um sargento da polícia militar, sensibilizado pela situação, deu-lhe abrigo e uma caixa para engraxar sapatos.
Com o bico, passou também a distribuir panfletos de propaganda. Aproveitava o material para desenhar. Já adulto, certa vez arrumou emprego como jardineiro em uma casa onde funcionava um antiquário. No local, encontrou cartolina e guache disponíveis - consequentemente, os primeiros materiais com que trabalhou. Uma obra dessa época está presente na exposição.
Por pintar até de madrugada, Waldomiro sentia sono durante o dia e, por isso, foi demitido. Levou seus primeiros guaches para o Viaduto do Chá e, com o valor das vendas, sobreviveu modestamente.
Sua primeira exposição individual ocorreu em 1962, no Parque Água Branca, em São Paulo. Na ocasião, conheceu o decorador Terry Della Stuffa, que se tornou seu mecenas e figura fundamental em sua carreira. Stuffa apresentou-o ao mundo artístico e social de São Paulo. "Ele também me disponibilizou uma casa, onde eu produzia as telas, e comprou material. Foi a primeira vez que trabalhei com óleo e ele ficou impressionado com minha ousadia e rápido progresso", recorda Waldomiro.
Em 1966, participou da I Bienal Nacional de Artes Plásticas em Salvador e de coletivas no exterior. No ano seguinte, suas obras foram expostas na IX Bienal Internacional de São Paulo. A partir daí, a participação em mostras nacionais e internacionais intensificou-se.
Homenagens
De 1969 a 1973, Waldomiro realizou uma série de viagens internacionais pela Europa, a Ásia e America Latina. Em Israel morou num convento. De volta ao Brasil, casou-se com Maria de Lourdes da Hora (hoje Lourdes de Deus), também pintora naïf.
O estilo é conhecido pela simplicidade e espontaneidade dos traços, e por se situar à margem do reconhecimento acadêmico, empreendida por artistas sem estudos formais na área.
"Graças a Deus tive ajuda de muitas pessoas durante minha carreira", reconhece o artista, atualmente com 69 anos e em plena atividade. Outro crítico que demonstrou grande apreço por sua obra foi Mário Schenberg, cujo apoio levou o artista a considerá-lo seu "segundo anjo". "Hoje não sou rico, mas meu trabalho é muito respeitado pela crítica. Sinto-me realizado", comemora Waldomiro.
Para o baiano, um dos aspectos mais gratificantes é ver a quantidade de estudos acadêmicos e em escolas sobre seu trabalho. "Até maio de 2012 havia 232 escolas no Brasil fazendo releitura da minha obra. Adoro receber professores, diretores de escola. Sinto-me privilegiado", comemora.
As pinturas de Waldomir foram temas, por exemplo, de duas dissertações de mestrado, de Maria Filomena Gonçalves Gouvêa (Universidade Católica de Goiás) - que abordou o aspecto da religiosidade - e Oscar D´Ambrósio (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho). Essa última resultou no livro "Os pincéis de Deus" (editado pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo e Editora Unesp).
Neste ano, somam-se a esse reconhecimento homenagens aos seus 50 anos de carreira. "Na semana passada, em Itajibá, foi uma festa na cidade inteira, algo que me emocionou, porque sou filho de lá e há muito não visitava", conta Waldomiro.
Mais informações
"Waldomiro de Deus - 50 Anos de Pintura - arte naïf brasileira". Até 11 de outubro, no Espaço Cultural Correios (R. Senador Alencar, 38, Centro). Gratuito. Hoje: brunch (10h) e visita guiada (11h) pelo artista. Visitação: segunda a sexta, das 8 às 17h; sábados, até 12h. Contato: (85) 3255.7262
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