Artista cearense é um dos destaques entre os contemporâneos incluídos na mostra "Trajetórias"
O universo simbólico da cultura nordestina - em especial, a religiosidade que tem na devoção aos santos populares a fonte maior de sua expressão - serve de referência para o artista visual cearense Francisco de Assis Rodrigues de Almeida produzir sua arte. Usando a madeira como um dos suportes para a execução de suas criações, ao longo de quase 20 anos de carreira, ele vem contribuindo para a transformação da gravura, sendo conhecido como criador da maior xilogravura do mundo. Ela tem 20 metros de comprimento. Das mãos do gravurista, natural de Crateús, nasce uma arte imponente, delicada e rica em detalhes.
"Altar de luz", xilogravura de 2011, integra a exposição "Trajetórias: Arte brasileira na coleção Fundação Edson Queiroz", mostra que reune mais de 250 obras do acervo da instituição. Aberta ao público até o dia 8 de dezembro, no Espaço Cultural Unifor, como parte das comemorações dos 40 anos da Universidade, a exposição promove um verdadeiro passeio por diferentes momentos da arte brasileira, destacando as mais diversas escolas, movimentos e grupos artísticos, formados em diversas regiões do País.Ela tem o mérito, ainda, de ressaltar a potencialidade dos artistas cearenses, seja no campo da produção da arte acadêmica, moderna ou contemporânea. A arte de Francisco de Almeida é um exemplo de que o Ceará continua produzindo talentos. O ponto de partida para a materialização de suas ideias é a mescla de elementos da contemporaneidade com as lembranças da infância, vivida em Crateús, cidade de solo árido, no Sertão dos Inhamuns.
Narrativas
Suas criações aparecem como narrativas figuradas ou alegorias. Em "Altar de luz", a religiosidade dá o tom à obra, cuja construção é marcada pelo fantástico, denotando, justamente a liberdade da experimentação, fruto dos movimentos de vanguarda que desaguaram na arte contemporânea. É dessa maneira que o artista consegue narrar histórias fantásticas, ao cravar na madeira suas impressões. A arte de Francisco de Almeida é imponente, não apenas pelo tamanho dos suportes, mas pela originalidade que apresenta. Nas suas alegorias aparece um mundo fantástico, porém, concebido por figuras ora reais, como os beatos, o homem sertanejo e a caatinga; ora por figuras do mundo religioso ou mágico, como santos e anjos.
Conhecido pela experimentação de técnicas e de novas ferramentas ao executar suas figuras, que se assemelham a contos do mundo maravilhoso, tirados de livros de suas memórias. Depois de iniciar na pintura, passa para a gravura, investindo em composições de grandes formatos, outra característica do seu trabalho, que cruzou o Atlântico. Realizou exposições em Madri, possui obras no Museu de Arte Moderna de São Paulo (Mam/SP) e Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC). Em 2010, o artista participou, na Unifor, da exposição "Vinte aos Pedaços", entre as obras, "Os quatro elementos I - O dia e a noite", na qual o artista trabalhou nove meses, medindo 20m x 1,50m , considerada a maior xilogravura do mundo. O trabalho figurou na exposição "Absurdo", por ocasião da 7ª Bienal do Mercosul.
O artista apresenta uma maestria ao lidar com a madeira, ousando confeccionar peças extensas. Francisco de Almeida desenvolve seu trabalho no cenário da arte contemporânea, a partir dos anos 1990, daí enveredar para o campo da experimentação. Chega a inventar as próprias ferramentas, criando novas linguagens e formas inovadoras de gravação.
Altar
Em "Altar de luz", é possível identificar a presença de uma santa, que pode ter o significado de mãe. A santa levita entre as nuvens, cercada por anjos e, abaixo, um Cristo crucificado estilizado. Além de um caldeirão onde escreve as palavras "sonhos" e "ouro". Ambos transbordam. Velas acesas completam a imagem, que parece suspensa. É como o artista chamasse a atenção para a importância da fé do homem sertanejo no sobrenatural.
Nascido sob o sol do Sertão dos Inhamuns, onde a luta pela água é uma constante, Francisco de Almeida tenta reproduzir, nas suas obras, essa devoção que o homem sertanejo tem nos santos populares, a exemplo de Santa Luzia, São Sebastião e São José. São eles que intercedem para um bom inverno, daí a importância de manter o sonho, que anda de mãos dadas com a fé. E é justamente essa fé que aparece, em primeiro plano, nas suas obras, que tentam dialogar ou contar uma história para o espectador. Uma arte que não tem medo de ousar, chegando a fazer alusão à arte muralista.
Com quase 20 anos de carreira, o artista conquista o primeiro reconhecimento em 1993, no 44º Salão de Abril. Desde cedo, ele se interessou pelas artes, vindo para Fortaleza aos 15 anos, estudando gravura e pintura nas oficinas do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc-UFC), nos anos 1990. O gosto pela estética foi herdado dos pais, ainda, na infância. O menino-artista ficava encantado ao ver pai, ourives e fotógrafo, trabalhar.
Outro ponto de convergência, a mãe, que exercitava o olhar do filho, ao deslizar os dedos sobre tecidos, desfilando linhas e pontos, bem trançados, enquanto bordava. Desde criança vivenciou esse ambiente de criações artísticas. Seu trabalho é o resultado do exercício dessas memórias, observado nos traços sutis da obra de Francisco de Almeida, ao "bordar" suas histórias na madeira.
Mais informações
Exposição "Trajetórias - Arte brasileira na coleção Fundação Edson Queiroz", no Espaço Cultural Unifor (Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz). Aberta à visitação até 8 de dezembro, de segunda a sexta-feira, das 8h às 20h, sábados e domingos, das 10h às 18h. Gratuito. Estacionamento no local. Contato: (85) 3477.3319
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