Projeto de lei aprovado no Senado regulamenta a profissão de historiador e gera polêmica porque restringiria a pesquisa e o ensino de temas históricos aos formados na área. Projeto deve ser alterado antes de passar pela Câmara dos Deputados
O polêmico projeto de lei que regulamenta a profissão de historiador, aprovado no Senado em novembro do ano passado, está prestes a ganhar novo capítulo. De autoria do senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul, desde que passou por votação, a proposta vem sendo criticada por restringir as atividades de magistério e pesquisa de História aos historiadores.
Os pontos mais questionados se concentram no artigo 4, que define como atribuições dos profissionais com curso superior em História o direito de lecionar mas também de exercer a pesquisa, a organização de documentos e informações, além da “elaboração de trabalhos sobre temas históricos”.
Para o jornalista cearense Lira Neto, que acaba de lançar o segundo volume da biografia de Getúlio Vargas, o problema do projeto está na redação imprecisa. “A intenção (do projeto de lei) era dar uma proteção jurídica ao profissional da História, o que é bastante razoável, mas da forma como está redigido ele abre esse precedente que qualquer pessoa agora teria de ser historiador para pesquisar temas históricos, o que seria um absurdo”, diz. Segundo ele, se essa interpretação fosse levada às últimas conseqüências, importantes autores brasileiros, como José Murilo de Carvalho e Boris Fausto, ambos não graduados na área, seriam descredenciados para escrita de outros livros de História.
Para além da restrição à pesquisa e à publicação, conforme o atual texto, o ensino de disciplinas como história da arte ou história da literatura, por exemplo, teria de ser dado por historiadores. Esse é o entendimento de entidades como a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Em carta enviada à Câmara dos Deputados, as instituições são enfáticas ao pedir que a tramitação seja interrompida para que o tema seja mais debatido e o texto final possa ser alterado.
“O projeto tem problemas graves e, se aprovado na forma em que está, trará sérios prejuízos ao Brasil e ao ensino superior de inúmeras disciplinas relacionadas com a História”, alertam na carta (disponível no link http://bit.ly/147ADl3).
Repercussão
O historiador e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Américo Souza, concorda com os pontos do projeto que defendem o reconhecimento da profissão e a valorização do professor no ensino fundamental e médio, especialmente. No entanto, segundo ele, essa exigência já consta na Lei das Diretrizes e Bases da Educação, mesmo sem a regulamentação específica dos profissionais de História. “A experiência histórica, a vida, o mundo, a realidade estão aí pra qualquer pessoa analisar, acho que você restringir a historiador é bobagem”, opinou Américo, para quem a pesquisa historiográfica é o que vai diferenciar o trabalho do historiador.
A interpretação do historiador Tiago Porto é diferente. De acordo com ele, o projeto “vai valorizar mais a profissão” porque “não quer restringir a participação de museólogos, arqueólogos, por exemplo, que já são profissões regulamentadas”. Embora não seja a favor da restrição da pesquisa para historiadores, ele acredita que o debate deve continuar e serve também para valorizar o lugar de cada profissional no mercado.
“Eu não vejo nenhum problema de qualquer outro profissional fazer um livro que traga uma contribuição pra História. Uma biografia do Getúlio Vargas, como a do Lira Neto, por exemplo, não é um trabalho pra estudo acadêmico, mas traz suas contribuições”, cita Tiago.
"A intenção não é limitar nada", diz Paulo Paim
Para o autor da lei que regulamenta a profissão de historiador, deputado Paulo Paim (PT – RS), a repercussão da proposta causou surpresa. “Eu achei que era um projeto que ia ser gol de placa”, disse, em entrevista ao O POVO, referindo-se à celeridade com que ele acreditava ver o texto passar no Congresso.
Segundo Paim, os termos da proposta seguiram a demanda da categoria dos profissionais de História, que tiveram debate e assessoria técnica do Congresso para a redação do texto.
Ainda assim, diz ele, agora que tramita na Câmara o projeto deve passar por alterações que levem a um consenso sobre sua versão final. No último dia 21, Paim e o relator do projeto na Câmara, deputado Policarpo Fagundes (PT- DF), se reuniram com representantes de entidades favoráveis, como a Associação Nacional de História (Anpuh), e contrárias ao texto atual em tramitação, caso das sociedades científicas.
De acordo com o senador, as entidades que questionam a suposta restrição da pesquisa e do ensino de História ficaram incumbidas de formular emendas ao texto. Conforme a assessoria de imprensa do deputado Policarpo Fagundes, que até o fechamento desta edição não pode falar com O POVO, a entrega das sugestões deve acontecer ainda nesta semana.
“A minha intenção não é limitar nada, e sim valorizar a profissão de historiador, que ele saia valorizado da faculdade. Isso não quer dizer que a gente vai proibir as pessoas que há anos atuam nessa área de fazerem seus trabalhos”, disse Paulo Paim.
A Associação Nacional de História apoia o projeto de lei proposto por Paim, mas está aberta à discussão “para aperfeiçoar o texto, até por acreditarmos que esta é a melhor estratégia para alcançar o nosso objetivo principal, qual seja, regulamentar em lei a profissão”. A afirmação está na num texto publicado no site da Anpuh: http://bit.ly/147EXk6.
Multimídia
Veja o texto do projeto de lei nº 4699/2012, aprovado pelo Senado, no link:
http://bit.ly/1a6SJ9q.
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