Entre as dezenas de filmes que compõem a programação do 23º Cine Ceará, e, mais especificamente, entre os oito que disputam o troféu Mucuripe na Mostra Competitiva Ibero-Americana de Longa-Metragem, "Olho Nu" é um dos mais aguardados pelo público, a ser exibido hoje, às 20 horas, no cinema do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC).
Dirigido por Joel Pizzini, o documentário brasileiro revela aspectos do processo criativo e faz um recorte da vida e carreira do cantor Ney Matogrosso, ícone da história da MPB e do rock nacional. A estreia em circuito comercial está prevista para março de 2014.Por si só, o personagem já é suficiente para garantir um bom filme. Filho de militar, nascido numa pequena cidade do Mato Grosso do Sul, Ney tornou-se um audacioso showman, responsável por apresentações que hipnotizam o público - inicialmente no pioneiro grupo Secos e Molhados; depois, em bem sucedida carreira solo.
Some-se à riqueza do tema uma oportuna abundância de material e pronto: meio caminho andando. Foi assim com "Olho Nu", construído a partir de mais de 500 horas de fitas gravadas, pertencentes ao próprio Ney. Garimpados e tratados, esses registros foram combinados a outros mais recentes, realizados na propriedade do artista em Sampaio Corrêa (distrito de Saquarema, Rio de Janeiro) e durante turnês de shows pelo Brasil e Europa.
Formato
"Olho Nu" costura com desenvoltura momentos da trajetória de Ney ao contexto de cada época, em referências à política, à ditadura militar, às drogas e ao surgimento da Aids. Aborda ainda, obviamente, a produção do cantor e aspectos de sua vida pessoal (como a relação com o pai, que reprovava a ideia do filho ser artista).
"Essa tendência (de documentários musicais) me interessa, na medida em os filmes tenham uma preocupação com a linguagem e não apenas com o sentido de explorar um filão de mercado. Nesse sentido, ´Olho Nu´ recusa a blocagem, a relação causa-efeito, a cronologia e os lugares-comuns", ressalta Joel Pizzini.
O cineasta rejeita o tipo de documentário musical que privilegia a celebridade e não o personagem. "Um filme que aborda esse universo não pode depender do tema e, antes de tudo, ele precisa de ritmo. A música deve ser tratada como personagem. Há que se experimentar todas as potencialidades da linguagem", complementa o realizador.
Não é a primeira vez que Pizzini e Ney Matogrosso trabalham juntos. Em 1988, o cantor protagonizou um curta do diretor, dedicado ao poeta Manoel de Barros. "Foi a porta de entrada que culminou em ´Olho Nu´, que ele confiou a mim, abrindo-se completamente para recriar sua trajetória, sem nenhuma expectativa biográfica", explica Pizzini.
O cineasta ressalta o posicionamento sempre coerente do artista ao longo de sua carreira - inclusive em relação a questões polêmicas - como se todas as horas de gravação pesquisadas fossem "uma única entrevista". "O desafio foi encontrar o espaço e o tempo para o animal cinematográfico se soltar em toda sua plenitude, localizar o timbre ideal de cada fala, as imagens reveladoras e o tom mais íntimo e condizente com sua natureza interior", detalha.
Perfeccionismo
O próprio Ney participou de etapas da edição do material. "Era preciso que ele se reconhecesse neste autorretrato que compus, a partir de todo este imaginário imenso. O que desafinou foi pontuado por ele, e recriado com toda liberdade", avalia Pizzini.
Segundo o diretor, a participação do cantor no processo não implicou nenhum tipo de censura, mas permitiu a ele ser fiel ao seu perfeccionismo. "Ney é extremamente detalhista e suas observações após a montagem apontavam para pontos desconcertantes que só ele podia perceber", justifica.
Para o diretor, "Olho Nu" é uma espécie de "autorretrato imaginado de um personagem, um recorte que assino embaixo e não um balanço da carreira de cantor consagrado. O filme expõe contradições, limites, e não procura adjetivar sua importância para a MPB, reconhecida publicamente. Interessa seus silêncios, a metamorfose através do tempo", resume.
Nesse sentido, o diretor evitou o modelo testemunhal. O discurso de Ney está expresso nas canções elegidas e em comentários sucintos onde expõe sua visão de mundo.
"Naturalmente, dentro de seus 40 anos de estrada, destaco o que julgo pessoalmente relevante, tanto do ponto de vista musical como imagético", esclarece Pizzini.
O diretor ressalta, por exemplo, "o lirismo libertário dos Secos & Molhados e a radicalidade do Homem de Neanderthal", que têm espaço privilegiado na narrativa, em registros de Super 8.
"Ele segue desconcertando a todos, recusando a cômoda fórmula do sucesso fácil. Há muitos filmes possíveis sobre o Ney. Procurei fazer um com e não sobre ele. Espero que proporcione uma experiência estética atemporal", avalia. Leia mais na página 6
Mais informações:
23º Cine Ceará. Até 14 de setembro, no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC). Programação completa no site www.cineceara.com
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