Baseado no clássico literário de Érico Veríssimo, "O Tempo e O Vento" ganha nova adaptação para os cinemas. Dirigido por Jayme Monjardim, o filme conta com Fernanda Montenegro, Cleo Pires, Marjorie Estiano e Thiago Lacerda entre os protagonistas
Logo no início da coletiva de imprensa, realizada em São Paulo, o diretor de "O Tempo e O Vento", Jayme Monjardim, não se fez de rogado e entregou Cleo Pires, deixando-a numa saia-justa entre os jornalistas... Brincou ao dizer que nunca havia levado tantos "não" e que a atriz tinha um "trauma" com o papel de Ana Terra, a grande heroína por trás da obra do autor gaúcho e eternizada por sua mãe, Glória Pires na minissérie homônima da TV Globo, que foi ao ar em 1985. Motivo do pavor?
No filme, Cleo Pires estrela no papel de Ana Terra / Glória Pires viveu a heroína na minissérie exibida em 1985 / Martin Rodriguez é o índio Pedro Missioneiro, amor de Ana Terra
Ela garantiu que não tinha nada a ver com a responsabilidade nem com as possíveis comparações com a emblemática guerreira idealizada por sua mãe, mas pelo fato da personagem, de carga dramática tão intensa, "ter mexido" com o seu imaginário quando era mais nova. Na trama, a camponesa vê os pais e o irmão serem assassinados pelos castelhanos, como eram chamados os invasores de origem hispânica. Sofre abuso sexual e precisa depois se virar sozinha para criar o filho.
"Trauma é uma palavra muito forte (risos). Eu rejeitei porque assisti minha mãe na televisão e, para mim, aquilo foi muito forte, não conseguia separar as coisas. Vi as coisas que ela passava e fiquei apavorada. E isso ficou no meu inconsciente, me dava um embrulho... Não era uma coisa racional, mas hoje entendi que a personagem mexeu muito comigo e depois vi o quanto ela era incrível e que eu seria louca de não aceitar (risos)! Não estava com medo de me sentir comparada à minha mãe. Até acho lindo essa coisa de mãe e filha fazerem o mesmo papel", conta ela, que já dividiu os sets com Glória em "Lula - Filho do Brasil" (2012)Para compor sua Ana Terra, Cleo comentou que procurou ser mais instintiva possível. "Eu fico muito focada quando vou fazer um personagem. É uma construção emocional. Gosto de tentar descobrir o estado de espírito do personagem dentro de mim. Não projeto como vai ficar... E eu fico chocada quando me vejo na tela (risos). É sempre horrível, mas eu me forço e na segunda e terceira vezes são mais fáceis", contou.
Marjorie Estiano interpreta Bibiana na fase jovem / Thiago Lacerda é o lendário Capitão Rodrigo. Fernanda Montenegro é a matriarca Bibiana, fio condutor da trama
Identificação
Indagada se teria algo em comum com a heroína, Cleo disse admirar sua força, mas se identificou mesmo com o instinto maternal. "Ela é uma leoa. Eu tenha essa coisa maternal também. Gente, tenho sete irmãos e sou a mais velha de todos (risos). De certa forma, eu tive que cuidar deles também em algum momento", observou.
O maior desafio para Cleo não foram as cenas de amor com o argentino Martin Rodriguez, que vive o índio Pedro Missioneiro, por quem Ana se apaixona e engravida. Apesar de aparecerem nus, a atriz declarou que foi a morte da família Terra a parte mais difícil. "Ao mesmo tempo que era uma cena muito forte, complexa, eu ainda tive pouco tempo para fazer", revelou a atriz de 31 anos, que acredita ainda que a maturidade lhe ajudou a ter um bom desempenho no papel. "Você fica mais velha e se sente mais confortável na própria pele. Isso te dá mais autoconfiança, reflete também no seu trabalho", completou.
A expectativa é mesmo grande em relação à estreia nacional de "O Tempo e O Vento", prevista para 27 de setembro. A nova adaptação da trilogia de Érico Veríssimo, dividida nos livros "O Continente" (publicado em 1949), "O Retrato " (1951) e "O Arquipélago" (1961), ganhou tratamento de superprodução. O orçamento ficou em torno de R$ 13 milhões, uma marca significativa para o cinema brasileiro, e ainda contou com um elenco composto por mais de 120 atores.
A produção do longa, que levou sete anos para ser finalizado, envolveu ainda a construção de uma cidade cenográfica no município gaúcho de Bagé, que levou cerca de seis meses para ficar pronto, fora o criterioso figurino.
Superprodução
Não bastasse apenas o desafio de retratar a famosa história de duas famílias opostas, a Terra Cambará e a Amaral, que viveram em confronto durante 150 anos, o filme acompanha a formação do Rio Grande do Sul, a povoação do território brasileiro e a demarcação de suas fronteiras.
Mas, para o diretor Jayme Monjardim, "condensar" a saga dos Terra Cambará não foi a missão mais árdua, mas contá-la de uma maneira diferente das outras versões já retratadas na televisão e na sétima arte. A trama já havia sido tema dos filmes "O Sobrado" (1954) e "Um Certo Capitão Rodrigo" (1971), fora a já citada minissérie "O Tempo e O Vento" (1985).
"Foram quatro anos [na fase de pré-produção] só escrevendo, captando recursos, até ficarmos satisfeitos com o último roteiro. Foram 27 adaptações. Não queríamos fazer uma tradução ´literária´ do Érico, que é um dos maiores autores brasileiros, mas cinematográfica, uma leitura mais pessoal", recorda.
O estalo veio com a ideia de dar uma visão feminina à história, maneira essa de trabalhar com a qual o cineasta e diretor de novelas já está bastante familiarizado. "Quis fazer o filme de acordo com o olhar da Bibiana, ela narrando toda a saga da família e de seu amor eterno pelo Capitão Rodrigo. E não imaginei outra pessoa para fazê-la que não fosse a Fernandona (a atriz Fernanda Montenegro). Quis dar mais poesia e emoção e já estou preparado para as críticas que estão por vir porque o livro tem ainda esse teor político. E ainda tem a questão do sotaque... Apesar de se passar no Rio Grande do Sul, tentei neutralizar o máximo possível o acento gaúcho. Não fiz um filme para o Rio Grande do Sul, mas para o Brasil, para o mundo, preferi uma linguagem mais popular, universal... Estou muito feliz com o resultado", afirmou ele, que sonha em carreira internacional para o longa. Falando nisso, esforços foram feitos para que a produção chegue a outros países a começar pelo preciosismo técnico e até pioneirismo.
Inovação
A produtora Rita Buzzar revelou que "O Tempo e O Vento" é o primeiro filme do mundo realizado inteiramente em 4K, tecnologia de altíssima resolução, resultando em imagens grandiosas e épicas. O longa foi finalizado ainda em Los Angeles. A trilha sonora também ganhou atenção especial com execução da Orquestra Sinfônica de Budapeste, na Hungria. Inclusive, a música que encerra a trama é de Maria Gadú, em parceria com o compositor e pianista americano Jesse Harris, e é cantada em inglês.
Elenco
Entre as atuações que Monjardim destacou, como as de Cleo Pires e Thiago Lacerda (encarnando o icônico Capitão Rodrigo), Monjardim elogiou a desenvoltura de Marjorie Estiano como a jovem romântica Bibiana. "A Marjorie me conquistou pelo seu silêncio em cena, serenidade".
Embora tenha consciência do peso que é dividir com Fernanda Montenegro o papel da esposa do valente Capitão Rodrigo, a atriz tentou não se deixar intimidar pela lenda viva da dramaturgia e explicou que são duas facetas distintas da mesma personagem. "Nos encontramos duas vezes e nos preocupamos em alinhar a interpretação e não fazer a mesma Bibiana. Não tínhamos a mesma idade. A de Fernanda tinha 80 e a minha tinha 15. A Fernanda foi muito disponível e generosa", reiterou.
Também estiveram presentes na coletiva Susana Pires (que interpreta Ana Terra em fase mais madura), o argentino Martin Rodriguez (o índio Pedro Missioneiro, o amor de Ana Terra), o uruguaio César Trancoso (Padre Alonzo) e Vanessa Lóes (Valéria).
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