O primeiro encontro entre Zé Ramalho e o Sepultura tinha sido na gravação de “A Dança das Borboletas”, música de Zé que entrou na trilha sonora do filme Lisbela e O Prisioneiro. Mas era como um “teaser”, um aperitivo, uma coisa insinuada que nunca se consumou como um encontro real, profundo. Na noite do último domingo, na Cidade do Rock, o encontro aprofundou-se e virou uma ponte asfaltada - funcionou tão bem que o guitarrista do Sepultura, Andreas Kisser, chamou o cantor paraibano de Zépultura.
Pois bem: a primeira parte do show foi só Sepultura. O grupo anunciou que tocaria coisas que não toca habitualmente, parte de um repertório de “quase 30 anos”, como explicou Kisser. Abriram com “Dark Wood of Error”, do álbum Dante XXI, de 2006. Até ali, reação normal da plateia. Mas, quando chegaram a “Inner Self”, mostrou-se a força da tradição.
No meio de tudo, o grupo encaixou uma versão de “Da Lama ao Caos”, de Chico Science, cantada não por Derrick Green, mas por Andreas Kisser, e que deve constar de seu próximo disco. O show foi mais desencanado e infinitamente superior à apresentação no Palco Mundo com o grupo Tambours do Bronx na quinta, 19.
“A Dança das Borboletas” abriu o encontro com Zépultura propriamente dito. Kisser anunciou a entrada em cena de “um dos mais importantes artistas brasileiros”. Zé Ramalho apareceu, como de hábito, todo de preto, a barriguinha protuberante, parecendo um padre de paróquia sertaneja. A música, surrealista, fala de uma seita nordestina que imaginava que, em meados dos anos 1990, o mundo iria acabar. Todos os devotos da seita começaram a rumar para as cidades para esperar o fim do mundo.
Em seguida, Zé e Sepultura começaram as novas travessuras alquímicas, com “Jardim das Acácias”. Os versos de Zé Ramalho fazem muito sentido para o mundo do metal, por serem também um patchwork de visões, de mitologias remotas. “E a papoula na terra do fogo, sanguessuga sedenta de calor/ Desemboco o canto nesse jogo/Como a cobra se contorce de dor”.
Alquimia
Zé Ramalho fez um pequeno mergulho cuidadoso e visceral no seu próprio repertório. A próxima música era “Mote das Amplidões”, um dos pontos altos de sua poética apocalíptica. “Há sérios homens e fios/Há beijos que são macios/Há bocas e palavrões/Há facas e cinturões/Nada disso e tudo faço/Viajo nas amplidões”.
O heavy metal se encontrou com o martelo agalopado (um gênero nordestino), e a virulência do primeiro serviu-se sem cerimônia da cadência do segundo, como num laboratório de alquimia. Tudo terminou em “Admirável Gado Novo”, o elogio da rebelião. Um show fundamental. Esperamos que se repita. (Jotabê Medeiros, da Agência Estado)
Saiba mais
Noite das tatuagens
O domingo, 22, último dia do Rock in Rio, foi dia de tirar a camisa e mostrar as tatuagens. Como as bandas eram de metal, o desfile de desenhos na pele dos fãs estava repleto de temas épicos. Havia também demonstrações exacerbadas de fé (muito Jesus Cristo nos braços e nas costas) e até exemplares de cartografia (a distante arte dos mapas). Magos, bandas, nomes de namoradas e namorados, rosas místicas...
Em meio à multidão que celebrava a banda Helloween e esperava a atração que encerraria a noite, o Iron Maiden, estava aquele que se autointitula o fã número um da banda. Marcos Motolo diz ter 172 tatuagens em homenagem à banda e apareceu no documentário Iron Maiden Flight 666.
O mote na Cidade do Rock é, como diz aquela antiga piada sobre pessoas muito tatuadas, “não sei se converso contigo ou se leio você”.
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