Considerada a maior superprodução do cinema brasileiro (em orçamento e logística), "O tempo e o vento" estreia com elenco fazendo jus à sua complexa realização
Quando resolveu levar "O tempo e o vento" para o cinema, o diretor Jayme Monjardim já sabia que não faltariam desafios para adaptar a lendária saga de Érico Veríssimo, dividida em três livros "O Continente" (publicado em 1949), "O Retrato" (1951) e "O Arquipélago" (1961).
Thiago Lacerda brilha com o Capitão Rodrigo. Ator enfrentou grande desafio ao encarnar, de maneira diferente, o mesmo papel de Tarcísio Meira na minissérie homônima de 1985
Se a história em si já é complexa - a trama retrata o confronto entre as famílias Terra Cambará e a Amaral durante 150 anos! -, acrescente aí outros graus de dificuldade como contextualizar (e condensar em duas horas de filme) essas várias gerações dentro de um agitado panorama histórico, em que guerras seriam base para a formação do Rio Grande do Sul, a povoação do território brasileiro e a demarcação de fronteiras.
Grande desafio
Além dessa preocupação de dar o máximo de fidelidade estética a um período tão particular da História do Brasil, entre os séculos XVIII e XIX, soma-se a missão, certamente a tarefa mais árdua de todas, de dar uma versão diferente e original à obra.
"O tempo e o vento" já foi tema dos filmes "O Sobrado" (1954) e "Um Certo Capitão Rodrigo" (1971) e da minissérie de 1985 com mesmo nome. Então, qual seria exatamente a novidade, o trunfo de Monjardim para justificar uma outra adaptação?
Depois de quatro anos e 27 versões de roteiro, veio a ideia de dar, pela primeira vez, uma visão feminina ao épico, tendo Bibiana como a testemunha viva da história, deixando em segundo plano o teor político (o que não chega a ser um problema). Narrando a sua paixão por Capitão Rodrigo (Thiago Lacerda), o longa mostra o romance que atravessa o tempo e prova que o amor é capaz de resistir às guerras.
José de Abreu é o coronel Ricardo Amaral: épicas cenas de guerra
E é louvável a iniciativa de Monjardim. O projeto tornou-se a primeira superprodução de DNA brasileiro, aspira (e até lembra), de certa maneira, outro clássico, "E o tempo levou...". E é tudo realmente grandioso aos olhos do público local.
Embora não se compare aos padrões de Hollywood, o orçamento de R$ 13 milhões foi alto (em termos de cinema nacional). O elenco é enorme (com mais de 120 atores), fora uma cidade cenográfica que levou seis meses para ser erguida em Bagé (RS) e o realismo das cenas de guerra. Para isso, a tecnologia empregada foi de última geração, a fotografia e direção de arte são mesmo acima da média.
O elenco também se entrega à obra. Thiago Lacerda brilha como o corajoso, galante e debochado Capitão Rodrigo. O ator consegue imprimir sua marca ao inesquecível personagem, eternizado por Tarcísio Meira na TV.
Marjorie Estiano vive Bibiana, mulher do capitão, na juventude
Fernanda Montenegro emociona como a Bibiana na fase madura, fio condutor da história. Marjorie Estiano surpreende em cena ao dividir o mesmo papel da veterana na juventude, com um romantismo e submissão na medida. Cleo Pires não supera sua mãe, Glória Pires como a Ana Terra da minissérie, mas dá interpretação digna à batalhadora matriarca dos Cambará.
Mas, como é difícil "abarcar" um universo tão vasto e detalhista, o espectador acaba se "perdendo" nos anos e décadas que se sucedem por "revisar" a história dos pampas gaúchos de forma superficial, além das dezenas de personagens que surgem. Outro ponto que incomoda são as constantes citações no texto ao "tempo e o vento" como se precisasse explicar ou fazer alusão a todo instante ao nome do filme. No começo, soa até poético, mas, depois, chega a ser cansativo e forçado.
Por apostar no romance, a trama - vigorosa a princípio, mas que vai perdendo fôlego após tantos acontecimentos - cai no clichê. No geral, o longa acerta por se arriscar ao dar uma nova visão ao clássico brasileiro.
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