Sozinho, o título já é uma provocação. Mas a ideia de "Feche os olhos para olhar" é justamente essa: partir da contradição para lançar questionamentos ao público. O que é o olhar, para além do significado fisiológico? O que vemos? E como?
Criado em 2010 pela desCompanhia de Dança, de Curitiba (PR), o espetáculo estreia amanhã em Fortaleza, onde cumpre minitemporada até sexta (11), no Teatro Universitário Paschoal Carlos Magno.A turnê é resultado da seleção no Prêmio Funarte Petrobras de Dança Klauss Vianna 2012. Antes da capital cearense, o grupo passou por Votorantim e São Paulo (SP); daqui, segue para Itapipoca (CE), antes de retornar a Curitiba.
O trabalho aborda as possibilidades do olhar entendido não apenas literalmente, como ato da visão, mas simbolicamente, a partir de significados mais amplos ligados à percepção do mundo sensível.
Princípio
Não por acaso, a concepção de "Feche os olhos para olhar" decorreu de um mergulho fundo dos membros da companhia no universo da fenomenologia - método de investigação filosófica que toma por base fenômenos da consciência, formatados a partir da relação que o indivíduo estabelece com o mundo por meio dos sentidos, e que devem ser estudados em si mesmos.
"Quando falamos em ´olhar´ não estamos falando apenas da visão, mas do olhar com o corpo inteiro, olhar que se abre para a qualidade dos outros sentidos", explica a bailarina e assistente de direção do espetáculo, Juliana Adur. Para tanto, segundo ela, é criado um ambiente provocador para o espectador, no sentido de estimulá-lo sensorialmente - através, por exemplo, de quebra de expectativas, da exploração de diferentes pontos de vista da plateia.
"Se o olhar é como nos colocamos no mundo, queremos saber como as pessoas apreendem o espetáculo a partir de sua própria perspectiva", explica Juliana.
A bailarina ressalta, porém, que não há interação física com o público. "Trabalhamos muito com improvisação. Não há uma estrutura coreográfica definida, embora haja um roteiro, cenas que estudamos muito, para encontrar determinados estados de corpo, imagens que nos interessam", detalha a integrante.
Esse formato relativamente aberto e mais flexível permite à companhia apresentar o mesmo espetáculo de maneiras diferentes. "Depende muito da relação com o público. Ao mesmo tempo, nosso olhar sobre o espetáculo também se renova, a cada vez que o realizamos", complementa Juliana.
Colóquio
Os estudos para a construção do espetáculo incluíram ainda leitura de artigos, livros e outros materiais de diferentes autores - "da literatura explorando a poesia de Sergio Fingermann e Alberto Caeiro, da filosofia mergulhando de corpo e alma nas obras de José Gil, Merleau Ponty e Georges Didi Huberman, das artes plásticas refletindo sobre apreensões nas obras de Cézanne e Paul Klee", comenta a diretora da desCompanhia, Cintia Napoli, em material de divulgação.
"Além dos encontros para ensaiar e discutir projetos e a logística da companhia, temos um dia dedicado ao estudo, leituras e trocas de ideias entre os integrantes. Para refletir sobre nosso fazer artístico, enfim", explica Juliana Adur. Em uma dessas oportunidades, caiu nas mãos da bailarina o livro "Diálogo/Dança", da pesquisadora de dança, diretora e dramaturgista de espetáculos Thereza Rocha e da filósofa Marcia Tiburi.
Fruto de anos de conversa entre as duas autoras, a obra toca em diversos assuntos relativos à filosofia contemporânea e a produção de conhecimento em dança.
"Achei interessante porque era outro diálogo entre esses dois campos, justamente o que fundamenta nosso espetáculo. Então decidimos fazer uma ponte entre a proposta das autoras e a nossa, entre teoria e prática", recorda Juliana.
Da decisão surgiu o colóquio "Olhares/Diálogo/Dança", apresentado em cada cidade onde "Feche os olhos para olhar" cumpriu mini-temporada. Em Fortaleza, ele aconteceu ontem, também no Teatro Universitário.
"Quando escrevemos o projeto no Prêmio Funarte, não queríamos apenas circular com o espetáculo. Nossa ideia era propor algo a mais, daí a inserção do colóquio", recorda Juliana.
Segundo a bailarina, nas duas ocasiões (do colóquio e do espetáculo), a recepção do público tem sido boa. "As pessoas normalmente sentem-se muito convidadas, sentem-se envolvidas no espetáculo, por se tratar de um olhar aberto para a realidade sensível do mundo", comenta.
Além de Juliana, participam do trabalho os bailarinos Peter Abudi e Yiuki Doi (que também assinam a concepção), sob direção artística de Cintia Napoli e produção de Cindy Napoli.
Mais informações
Espetáculo de dança "Feche os olhos para olhar". De amanhã até sexta (11), sempre às 20h, no Teatro Paschoal Carlos Magno - UFC (Av. da Universidade, 2210, Benfica). Gratuito. Contato: (85) 3366.7831
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