A primeira vez que a poesia de Chico Buarque de Holanda foi parar na academia foi no ano de 1973, pelas mãos do também poeta e crítico Affonso Romano de Sant´Anna. No ano seguinte, 1974, o professor da UFRJ, Amazildo Vasconcelos, escreveu o segundo ensaio com um inventário da poesia de Chico. A professora da USP e Unicamp Adélia Bezerra de Menezes estreou com Chico Buarque em tese de doutorado em 1982, estudando a obra poética do cantor, compositor, dramaturgo e escritor. De lá para cá, praticamente todas as vertentes artísticas do senhor de quase 70 anos, mas que mantém um eterno “ar de bom moço”, passaram pelo bisturi da crítica literária acadêmica.
O escritor e antologista Rinaldo de Fernandes acaba de lançar Chico Buarque de Holanda, o poeta das mulheres, dos desvalidos e dos perseguidos (Leya, R$ 49,90), que reúne 24 ensaios sobre a obra do compositor de autoria de pesquisadores de todo o Brasil. O encontro de Rinaldo com Chico se deu há tempos. Há dez anos, ele organizou a antologia Chico Buarque do Brasil, publicação que se transformou numa referência sobre a obra do compositor, romancista e dramaturgo. Agora, as vertentes escolhidas são os temas que, para Rinaldo, constituem pilares da obra de Buarque: as mulheres, os pobres e a censura exercida no País por mais de 20 anos a partir da década de 60. “A ideia é realçar as temáticas mais frequentes da obra de Chico Buarque, considerando os diversos campos de sentidos da poética do compositor”, afirma.
Os ensaístas convidados receberam a orientação de fugir da linguagem cifrada do ritual acadêmico ao analisarem a obra de Chico. O leitor vai se deparar, então, com o ensaio de Amazildo Vasconcelos, que destrincha a “lírica buarquena” decifrando a estrutura dos versos de poemas como “Tem mais samba” e “Realejo” , ao lado do ensaísta Charles Perrone, que analisa o cenário político exposto no poema “Corrente” de Chico Buarque. Ao longo dos 24 ensaios, os autores se equilibram entre a teoria e a poesia para compor o mosaico da produção poética de Buarque, que sustenta a temática da obra.
Feminino
Um dos destaques do livro são os ensaios que refletem as obras de Chico que evocam as mulheres. “Cecília”, “Renata Maria”, “Beatriz”, “Rita” ganham novas nuances à luz de pesquisadores que traçam múltiplos perfis do feminino. A linguagem do artista é posta à prova pelos ensaístas, que seguem as pistas das entrelinhas para encontrar as personagens que se envolvem em palavras e melodias. O italiano Luca Bacchini afirma em “Renata Maria” que os grandes autores são aqueles que se distinguem pela capacidade de trabalhar os “materiais aparentemente insignificantes”, como neste poema que é uma canção de amor, mas que também revela o contraditório e os “turbamentos” do humano. A beleza poética que esculpe a mulher na obra de Chico Buarque alcança os excluídos numa linguagem perene que “foge do circunstancial”, afirma a professora Adélia Bezerra de Meneses. Segundo a pesquisadora “malandros, sambistas, pedreiros, pivetes, pequenos funcionários, sem-terras” puxam o cordão dos “protagonistas da História” a quem Chico Buarque dá voz e, com isso, torna-se um “poeta radical”, arremata.
Regina Ribeiro é editora da Edições Demócrito Rocha
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