O cineasta canadense Philippe Falardeau faz com novo filme uma reflexão sobre educação, pais e filhos
Eleito um dos 10 melhores filmes de 2012 por vários críticos e jornais estadunidenses, incluindo o "The Washigton Post", e detentor de mais de 20 prêmios internacionais, "Monsieur Lazhar - o que traz boas Novas" (Monsieur Lazhar, Canadá, 2012), quarto trabalho de Philippe Falardeau, está em cartaz na cidade nas sessões do Cinema de Arte. É, no meu entender, um dos 10 melhores filmes exibidos em 2013.
O professor Bachir é orientado para apenas se ocupar das matérias do cotidiano escolar
Em um rapidíssimo resumo do enredo, adaptado de uma peça da teatróloga Evelyne de la Chenelière, trata da chegada de um professor argelino, Bachir Lazhar (Fellag), a uma pequena escola infantil do Canadá, a qual encontra-se em estado de choque devido ao fato de um aluno ter encontrado uma professora enforcada em sala de aula. Ele assume a vaga deixada pela professora suicida e procura, além de suas tarefas com o currículo escolar, lidar com o trauma das crianças.
Orientado para apenas se ocupar das matérias do cotidiano escolar, Bachir percebe que Juliette, a psicóloga encarregada de tratar da turma, não consegue aliviar a tensão e o choque entre os alunos. Na percepção de Bachir, as crianças devem ser levadas a conversar entre si sobre a questão da morte e as circunstâncias que levaram a professora ao ato de renúncia da vida. Para ele, o fato de ter sido em sala de aula pode conter inúmeros elementos - e eles precisam ser encontrados e discutidos. Mas a escola decide entregar o caso a uma psicóloga e passar uma régua no assunto.
Estão nos relacionamentos de Bachir com os alunos e dele com a diretora, os elementos dramáticos do longa. No primeiro caso, ele percebe um choque entre dois alunos, Alice e Simon. Ela o acusa de ter sido o motivo do suicídio da professora. Na escola, é proibido qualquer ato de afeto entre professores e alunos. É o medo da pedofilia vivo em uma escola.
Pelo exposto pela diretora, a professora o abraçou e tentou beijar o seu rosto, gesto o qual Simon não gostou e a denunciou junto à diretoria. Revela, ainda, que a colega tinha a "mania" de tratar as crianças com humanismo e sempre procurar ajudá-los em qualquer tipo de dificuldade. Acresça-se o fato da diretora ter proibido Lazhar de conversar com as crianças sobre o tema morte. Forma-se o conjunto da história, cujos elementos passam a ser explorados por Falardeau com extrema sensibilidade.
Trabalhando no dia a dia com as crianças, Bachir percebe que elas não são ouvidas pela psicóloga. Apenas ela fala. Há uma orientação da diretoria para que "o choque´ não seja discutido". O lema é: fazer as crianças esquecerem a tragédia.
Bachir percebe que a animosidade entre alunos e a perplexidade das crianças ante a um tema - a morte - no qual nenhum adulto deseja falar, é um problema. E entenda que o caminho da solução é a discussão. E ele decide transgredir, em um momento extremamente traumatizante para ele, que pediu asilo ao Canadá após fugir da Argélia por motivos políticos.
Bachir aplica um texto de Balzac em sala de aula e conversa sobre o tema com os alunos. O resultado é a repreensão. Um pai, ao tomar conhecimento, repreende o professor: "trate apenas de ensinar que nos cuidados da educação", diz.
Com essa pequena exposição, Falardeau trata não apenas do choque de culturas, mas, também, busca discutir o que representa a escola para pais e professores. Apenas um mero repassador do conteúdo da grade escolar ou ser o âmbito da educação? No contexto, o ensino bitolado ou o lugar de aprendizado do conhecimento e da formação cultural e moral do indivíduo? Como fica a missão da escola no quesito de preparar o aluno para enfrentar os desafios da vida fora dos seus muros? Como não ser a escola esse lugar de preparação? Como viver sem o conhecimento do mundo e da gama de questões, sociais, filosóficas e políticas que envolvem o mundo?
Com isso Falardeau traz, também para a história, o comportamento dos pais em relação aos filhos e a escola. Como eles "educam" os filhos e aquilo que pensam o que deve ser a Escola. Aquelas cenas do pai advertindo o professor e a diretora proibindo Balzac são antológicas. Pelo visto, o cineasta não está contente como as coisas andam na área da educação e do comportamento das famílias em sua terra natal.
E na extensão do âmbito escolar, Falardeau aborda outra questão, a do preconceito: a fama de Balzac de "autor erótico" e o fato de Bachir ser africano e de país de religião islâmica formam um "duo" altamente volátil. O comportamento da diretoria, professores, psicóloga, funcionários, todos contidos em "amarras" às regras institucionais concedem, ao espectador, um grande pensar sobre a Escola e os seus rumos.
O filme pode ser canadense, mas a escola, a família e a educação são temas universais. Com todos esses temas em efervescência, Falardeau deixa um grande espaço para que o espectador, ao longo do desenvolvimento da narrativa, vá estabelecendo as suas conexões quanto uma questão básica: o que é a Escola? Esse é um daqueles filmes simples e comunicativos que nos fazem pensar. Então, eis um filme para se ver visto e refletido. E muito.
PEDRO MARTINS FREIRE
CRÍTICO DE CINEMA
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