Vez ou outra, é postada nas redes sociais a imagem de um iceberg em cuja ponta, acima da água, lê-se "filme", e na de baixo, submersa e muito maior, "livro". A analogia pode até fazer sentido, afinal é impossível transpor para a tela, em uma história de duas ou até três horas, todos os detalhes de uma obra literária.
Mas e quando a ponta do iceberg, mesmo diminuta, traz algo de mais interessante - para evitar o polêmico raciocínio de que seja simplesmente melhor?
Um exemplo recente da produção hollywoodiana encaixa-se nessa hipótese. Em "O Lobo de Wall Street", o diretor Martin Scorsese constrói uma viagem vertiginosa baseada nos relatos do ex-corretor da Bolsa de Nova York, Jordan Belfort, há 15 anos condenado por fraude e lavagem de dinheiro.
O longa, de três horas, apresenta um ritmo frenético e alucinante, condizente com a trajetória absurda de Belfort. Ritmo significativamente menos intenso no livro, até pela própria natureza da linguagem escrita. Todos os elementos que tornam a história do ex-corretor quase inacreditável estão nas páginas, escritas pelo próprio: muito sexo, palavrões, álcool, drogas, prostitutas, dinheiro, corrupção e crimes de toda sorte. Mas a sensação de desvario e loucura não é tão forte - ou impactante - quanto na tela.
A partir de recursos exclusivos da linguagem cinematográfica, em especial a velocidade da edição - assinada por sua antiga parceira profissional, Thelma Schoonmaker - e as atuações impecáveis do elenco, Scorsese constrói uma história de tirar o fôlego, sem sequer dar tempo ao espectador de recuperá-lo.
Que o diga, por exemplo, a sequência tragicômica em que Belfort toma comprimidos vencidos e se envolve em um acidente de carro. Nas dez páginas que descrevem o acontecido, não há como superar a performance de Leonardo DiCaprio no papel do corretor, em um comportamento hilário e revoltante ao mesmo tempo.
O livro passa longe de ser ruim, na verdade. Mas frente às qualidades do longa, perde um pouco seu apelo - pelo menos o primeiro volume, que conta a trajetória de Belfort até ter sua prisão decretada. O que acontece depois disso é revelado na sequência "A caçada ao lobo de Wall Street". No filme, Scorsese precisa resolver a história inteira. Embora a ênfase seja para a primeira parte, a solução que amarra o final é competente.
Ainda assim, aparentemente as três horas do longa não foram suficientes para o diretor e sua equipe. Segundo o jornal britânico The Daily Mail, O Lobo de Wall Street pode ganhar versão estendida em Blu-Ray, com uma hora a mais. O acréscimo seria em sequências já existentes na versão atual. (AM)
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