O sopro grave do trombone do músico Raul de Souza está de volta à capital cearense. O carioca realiza, a partir de hoje, às 20 horas, três shows na Caixa Cultural Fortaleza com um convidado especial: o baixista americano Ron Carter. Uma reunião de proporções poucas vezes vistas por terras alencarinas, já que grandes são as influências dos dois músicos no cenário jazzístico internacional e a produção musical de ambos. Também está reservada para amanhã uma conversa entre o público e os músicos, às 16 horas, aberto ao público.
Raul de Souza possui 15 álbuns gravados ao longo dos seus mais de 60 anos de carreira, além de contribuições para outros artistas. Já o número de trabalhos de Ron Carter poderia muito bem chegar ao livro dos recordes: são mais de 2500 álbuns registrados durante sua trajetória, sendo talvez o baixista com mais gravações na história do jazz.
Apesar do seu aprendizado musical ter vindo principalmente na vivência em gafieiras no Rio de Janeiro, o início de Raul de Souza, atualmente com 77 anos, no mundo dos instrumentos de sopros foi bem menos "profano". Filho de um pastor evangélico, frequentava às missas para escutar as músicas entoadas pelos fieis e desde então demonstrou uma predileção pelos instrumentos graves.
Aos 16 anos, a grande vontade de Raul era tocar saxofone, mas teve de se contentar com um trombone comprado pelo pai, na época mais barato. Essa vontade influenciaria diretamente a forma de tocar e de interpretar do músico. "Toda a minha imaginação técnica veio por motivo dos saxofones e passou tudo para o trombone", diz.
A parceria com Ron começou em meados de 1973, quando o trombonista ainda morava em Nova York e realizava apresentações em boates na metrópole. Os dois foram convidados para participar das gravações do álbum "A missa dos escravos" (1977), de Hermeto Pascoal. Desde então ficaram amigos.
O convite formal para a apresentação nos moldes do evento que será realizado hoje aconteceu em há cerca de três anos, quando os músicos se encontraram em um aeroporto. "É um dos últimos grandes baixistas do gênero vivendo nos Estados Unidos. Alguns já nos deixaram e outros não têm mais condições de viajar em turnê", fala Raul. Dominando a técnica do trombone de vara e de pisto, Raul possui em seus instrumentos uma válvula que o permite acrescentar um tom em uma oitava mais grave, garantindo o som característico em suas músicas. As especificidades de suas interpretações no instrumento o levaram a criar seu próprio modelo, que ele chama de forma bem-humorada de "Souzabone". Essa é a terceira passagem de Raul pelo Ceará.
O músico se apresentou no Festival Jazz & Blues de Guaramiranga, em fevereiro de 2013, e no Festival Mestres dos Sopros, em novembro do ano passado. "Na verdade, foram quatro vezes", acrescenta. A primeira vez foi em 1953, quando o músico tinha apena 20 anos. A aventura começou no Rio de Janeiro em um ponto onde os músicos costumavam se encontrar para conversar e uma pessoa estava recrutando pessoas para uma apresentação na Bahia.
"O empresário, que ia na frente para vender o show e receber o dinheiro, pegou o que foi pago e perdeu tudo em um cassino. Ficamos sem ter como voltar para casa", relembra Raul. Assim, foi necessário agendar apresentações em várias cidades nordestinas, entre elas Fortaleza. O músico ainda afirma que embarcou em um pau-de-arara até Sobral. "Foi uma viagem muito louca", ri ao rememorar a aventura. Raul de Souza foi até o Maranhão dessa maneira e conseguiu com amigos uma passagem de volta para Fortaleza, onde trabalhou como baterista da orquestra da Ceará Rádio Clube antes de voltar para o Rio de Janeiro.
Sobre os talentos que conheceu no Ceará, Raul de Souza pontua alguns nomes, como Marcos Resende e Carlinhos Patriolino. "São ótimos compositores e ótimos músicos", elogia.
Gravações
Mesmo com toda sua contribuição musical para a história do jazz e do trombone, é necessário um pouco de empenho para acessar a obra de Raul, praticamente inteira fora de catálogo ou no mercado fonográfico internacional. Mais do que isso, são raras as oportunidades de vê-lo tocando em palcos no Brasil apresentando seu virtuoso talento musical. Entretanto, o reconhecimento nacional e internacional garantiu ao música passe livre pelos principais festivais de jazz mundiais.
"Estou negociando o relançamento do Bossa Eterna", diz citando o seu álbum mais recente lançado em 2008.
Ron Carter é um dos baixistas americanos mais consagrados da história do jazz e sua trajetória é fortemente ligada a Miles Davis. É ganhador de inúmeros prêmios e bateu todos os recordes na crítica internacional como "melhor instrumentista do mundo".
Como compositor, Ron ganhou o prêmio Grammy em 1988 para a composição instrumental, chamada "Folhas Azuis", trilha do filme 'Round Midnight'. Já gravou com muitos dos maiores nomes da música: Oliver Nelson, James Brown, Carlos Santana, Aretha Franklin, BB King e Antônio Carlos Jobim.
O modesto palco da Caixa Cultural vai ficar pequeno diante do peso dos nomes que acompanham a dupla. Um dos maiores destaques é o pianista Fábio Torres, músico veterano que já participou de edições passadas do Festival Jazz & Blues de Guaramiranga e vencedor do Grammy, a maior premiação da música mundial, com o Trio Corrente na Categoria Melhor Álbum de Jazz Latino. Também sobem ao palco os músicos Glauco Sölter (baixo elétrico), Mário Conde (guitarra) e Sérgio Machado (bateria).
Mais informações:
Raul de Souza convida Ron Carter. De hoje a 5 de abril, às 20h, e dia 6, às 19h, na Caixa Cultural Fortaleza. Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Tel: (85) 3453.2770
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