Surpresa para uns, momento de encantamento para outros: a participação da cantora potiguar Khrystal na última edição do The Voice Brasil, reality show musical da Rede Globo, amplificou uma das vozes mais representativas da música nordestina da última década. Em Fortaleza, pela primeira vez após a participação no programa, a artista apresenta, hoje, no Anfiteatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC) o show de seu CD mais recente, o autoral "Dois Tempos (2012).
No meio do trabalho de preparação para o seu terceiro álbum, Khrystal antecipa canções que estarão no disco, a ser lançado em outubro. O novo CD vai trazer a cantora centrada em sua porção intérprete, recriando canções de autores como Chico Buarque, Gilberto Gil e João do Vale. Entram também - no show e no disco - as marcantes "A Carne", de Marcelo Yuka, Seu Jorge e Ulisses Cappelletti; e "Morô", de sua própria autoria, músicas que ela apresentou durante o The Voice.
No Dragão do Mar, o show começa às 20 horas. A direção musical é assinada por Ricardo Baya, guitarrista da banda de Khrystal e parceiro dela em suas canções. A cantora ainda será acompanhada por Paulo de Oliveira (baixo), Paulo Eduardo (teclados e sanfona), Darlan Marley (bateria) e Kleber Moreira (percussão).
Veterana
Com 13 anos de carreira e dois discos lançados, Khrystal pegou de surpresa quem já conhecia seu trabalho, ao constar entre as participantes do programa - associado à artistas iniciantes. "Muita gente ficou surpresa. Foi importante participar do The Voice. Tem gente de Natal mesmo que só chegou junto de mim depois de me ver no programa. Estar no programa foi uma forma de quebrar esse estereótipo de cantores bem limpinhos e sorridentes. Foi bom mostrar que existem artistas à margem desse esquema todo", avalia a cantora, que assume agora o desafio de mostrar ao público a intensidade e amplitude de sua obra.
"O 'Dois Tempos' é um disco que venho divulgando desde setembro de 2012. Fiz alguns shows, no comecinho de 2013, mas veio o The Voice e o projeto ficou meio parado. Estou retomando em 2014. Vai ser ano para mostrar, mas em clima de despedida", comenta, sobre a turnê.
Em seu disco de estreia, "Coisa de Preto", ela pautou o coco como referência, reunindo repertório de compositores que considera essenciais à musicalidade do Nordeste. "Dois Tempos" foi um passo adiante, marcando a afirmação da cantora como compositora. Ela assina 10 das 13 faixas do álbum, que, assim como o primeiro, lançado de forma independente.
Canções como o samba "Casa de Mãe Joana" ou "Esse meu baião", aliás, mostram que boa escola de composição ela frequentou. Abrindo o álbum, o sambinha "Na lama, na Lapa", em parceria com Valéria Oliveira, chama, ainda, atenção para o lado instrumentista da cantora. Khrystal gravou um violão suingado e limpo, prova de que, nos shows, o instrumento não é nem firula, nem assessório.
Embora tenha o pé bem fincado no Nordeste, a cantora não tem pudor em carregar nas distorções de guitarras em suas versões. Em 2008, ela chegou a figurar entre as atrações do Rock Cordel, do Centro Cultural Banco do Nordeste. O repertório roqueiro do primeiro disco, incluía "Forró na Coreia", a própria "Coisa de Preto", ambas com mistura de coco e rock.
O disco inclui, ainda, canções de parceiros, como "Zona Norte Zona Sul", de Ricardo Baya; "Potiguaras guaranis", de Baya e José Fontes; e "Compositor", pérola de Joyce Moreno e Paulo César Pinheiro.
Inédito
O álbum que está sendo preparado para outubro fecha um ciclo de 10 anos de parceria entre Khrystal e seu produtor José Dias. Em 2004, incentivada por ele, ela montou o espetáculo "O Côco do Brasil", do qual parte do repertório foi registrado no CD "Coisa de Preto". Além da faixa tema, autoral, o disco reuniu autores como Guinga, Rosil Cavalcanti, os mestres Chico Antônio e Paulírio Sebastião, Lenine e Chico César.
"Quando ela cantava 'Coisa de Preto', ia para Juazeiro do Norte, Nova Olinda, o pessoal perguntava se no disco tinha as músicas que ela cantava de Chico Buarque, Caetano Veloso, que também estavam no show. Ela agora fecha esse ciclo. Entrou em estúdio para gravar essas coisas, que já estavam no palco", antecipa o Zé Dias, citando canções como "Circulador de Fulô", do baiano, e "Ode Aos Ratos", de Chico, que estarão no disco.
"As músicas do The Voice já faziam parte também deste repertório", complementa Khrystal. O disco, apesar de inédito, já tem um sucessor em vista. "Estou colocando o disco como intérprete na praça, mas meu foco vai ser autoral. Já tenho música para um outro álbum, o quarto", revela.
Mais informações:
Dois Tempos - Show da cantora Khrystal. Às 20 horas, no Anfiteatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (Rua Dragão do Mar, 81, Praia de Iracema). Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia). Contato: (85) 3488.8600
Entrevista
Khrystal
Cantora e compositora
"O cenário musical da minha geração me dá certa apatia"
Com o novo disco, você volta a ser mais intérprete do que compositora. Como é que você se coloca, atualmente, em relação a essas duas atividades criativas?
Comecei minha carreira musical como intérprete. "Coisa de Preto" (2007), meu primeiro álbum, só tinha uma música minha. Fui desenvolvendo essa coisa da composição e lancei "Dois Tempos" (2012). O disco que vai sair agora é um projeto muito antigo. Queria colocar nele as músicas que já estavam consolidadas no meu show. Canções fortes que eu ainda não tinha gravado, como "Carcará" e "Candeeiro Encantado". O álbum não é autoral no sentido de eu assinar das composições, mas é no sentido de ter assumido este repertório e ter feito dele uma coisa minha. É algo que não deixa de ser coerente com a minha onda autoral.
Você gravou alguns violões em "Dois Tempos", incluindo o samba de abertura. Não é raro que cantoras abram mão do instrumento para se dedicar apenas à voz. O violão vai ganhar mais a sua atenção?
É muito tentador cantar. Mas tocar também é muito massa. Meu pai é autodidata, só que não conseguiu me ensinar nada. Aprendi o instrumento indo para o bar, bebendo cerveja, assistindo os músicos que se apresentavam. Meu violão é quase um amigo. Gosto da sonoridade, gosto de tocar samba nele. Agora, como sempre me cerco de grandes músicos, fico meio envergonhada de tocá-lo. Quando gravei "Dois Tempos", pensei, já que o disco é meu, vou tocar também. O violão deixa meu som mais inteiro, fica mais legítimo, mais a minha cara.
Você tem uma personalidade forte, e mais que isso, uma identidade nordestina e negra bem marcada, que está presente na sua música. Isso é proposital?
O cenário musical da minha geração me dá certa apatia. É um povo muito correto, que sorri o tempo todo, que vende uma felicidade inexistente. Acho falso isso. Às vezes, levo fama de emburrada, de mal humorada. Isso não quer dizer que não seja educada. Mas tenho dores também. Essas dores não velo por ser artista. Até porque ser artista não é grande coisa. Tento ser útil e discutir essas coisas com meu público, ao invés de ficar girando em torno da minha vaidade. (FM)
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