O picadeiro é a Barra do Ceará. Crianças que não têm medo de palhaço são o respeitável público. Um, dois, três. “Vai começar!”, grita Rafael Sudaka com sotaque chileno. O artista estrangeiro é convidado do “Ocupa com Circo”, projeto de intervenção artística em espaços públicos de Fortaleza. A ação é idealizada pelo cearense Alysson Lemos, circense que, como ele gosta de brincar, trabalha na empresa “No Meio da Rua”.
De sorriso no rosto e malabares à mão, Alysson e seus convidados se propõem a intervir com nariz vermelho, fogo, cores e gaitadas. O local escolhido é marco histórico – bairro mais antigo da Capital – e marca da violência. De acordo com estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), a Barra do Ceará registrou o maior número de homicídios em Fortaleza em 2012.
Daí o encantamento dos moradores da Barra. Basta Alysson chegar, e logo junta gente ao redor. A cada clave jogada para o alto, a meninada vai cercando, curiosa. Olhares investigam os movimentos à procura da mágica. Querem acreditar na maravilha.
Acrobacias de Laura
Aos 8 anos, Laura já teve medo de palhaço. Isso foi num tempo antigo, quando ainda contava cinco anos. Atualmente, a criança admite ter mais medo dos “homens drogados que fazem coisa errada”. Na última ação do “Ocupa com Circo”, no dia 9 de maio, Laura se destacava entre os mais animados. Ela é daquelas que assiste, participa, se arrisca e reponde perguntas com dedo em riste. Laura até ajuda a pintar o rosto do palhaço. Também empresta “pra sempre” a liga de cabelo para Alysson prender os cabelos.
A menina de letra bonita ama conversar. “O que você quer ser quando crescer? Jornalista?”, pergunto. “Nããão. Quero ser médica”, responde. Apesar de sonhar com a medicina, a pequena moradora da Barra do Ceará gosta mesmo é de entrevistar. Quando escuta o sotaque estrangeiro de Rafael Sudaka, logo questiona: “Tu é lá de São Paulo?”.
Entre crianças, adultos e idosos, a cadela Pantera – “filha” de Laura – também se junta à ação artística. “Ela não morde palhaço, não. Cachorro só late quando sente que a pessoa é ruim”, garante a menina.
A corda bamba
Outro que participa ativamente do “Ocupa com Circo” é Wellington, o “Wetin”. Não tem quem acredite, mas ele já soma treze anos. O corpo é de “menino novo”, mas não se engane: ele já tem até “tatuagem de verdade”. Wellington passa a maior parte do tempo na rua (a mãe foi embora, o pai é usuário de drogas). Foi numa quina de rua do bairro que o garoto encontrou o circo. Encanto à primeira vista.
O “Peter Pan tatuado” acompanha Alysson e sua trupe desde a primeira ação do projeto, há três semanas. Franzino, briga por atenção e está sempre a postos para ajudar. É um dos que manjam dos malabares. Ri de todas as piadas, até mesmo aquelas que não entende. Na corda bamba, aproveita o momento raro de fantasia. Sabe que é passageiro.
Congregando histórias como as de Laura e Wellington, o projeto “Ocupa com Circo” não distingue arte de rua. Para Alysson, a rua não é só um cenário. O projeto é também ocupado e vive a Barra do Ceará “na real”. O som instrumental da caixinha de som se mistura ao barulho do futebol à beira mar.
A brisa pode até atrapalhar o número com fogo, mas o vento logo vira aliado nos gracejos. Ao fim, quando o chapéu passa, nem todos têm moedas para ofertar. A maioria, entretanto, tem um “muito obrigado” guardado sob a cartola. E muito sorriso.
SERVIÇO
“Ocupa com Circo”
Quando: sexta-feira, 16, às 17 horas
Onde: Cuca Barra (av. Presidente Castelo Branco, 6417, Barra do Ceará
Telefone: 9159 2952
SAIBA MAIS
Contemplado pelo 3° Edital Ação Jovem do Cuca Barra do Ceará, o projeto “Ocupa com Circo” ocupa espaços públicos do bairro Barra do Ceará com a arte circense. Encabeçada pelo artista circense Alysson Lemos, a ação apresenta números, e os espectadores podem conhecer de perto técnicas e equipamentos usados nos espetáculos. Além de apresentar número, os artistas propõem discussão e construção coletiva das apresentações.
|