“Eu sou uma pessoa muito simples. Quero o que todo mundo quer. Quero sentar, rodar e gozar, igual a todo mundo”. A frase dita por Cássia Eller parece pouco quando a ideia é resumir os anseios de uma das artistas mais complexas que apareceram no Brasil nos últimos 30 anos. Mas é isso que fica claro ao longo das quase duas horas do documentário Cássia, que chega hoje aos cinemas.
O projeto nasceu por volta de 2010, quando o diretor Paulo Henrique Fontenelle constatou que, apesar de toda a popularidade, quase não existia material sobre Cássia Eller no mercado. “Fiz mais para tentar conhecer quem foi a Cássia, uma pessoa que muita gente ama, mas pouca gente conhece de verdade. Ela foi muito associada à roqueira rebelde e eu queria mostrar o outro lado”, explica o cineasta, em entrevista ao O POVO, por telefone.
Uma menina má?
A primeira pessoa procurada foi Maria Eugênia Vieira. Depois de enviar um email para a viúva de Cássia, o diretor esperou um mês pela resposta. Na contramão dos artistas que questionam as obras biográficas, Eugênia aceitou a proposta, desde que o filme fosse sincero ao revelar quem foi aquela mulher tímida que parecia receber um santo na hora que subia no palco. E isso implicava falar abertamente sobre drogas, homossexualidade e a vida de dona de casa e mãe. “Ela (Cássia) sempre foi muito honesta. Não tinha por que não mostrar. Eu tratei as coisas de uma maneira bem natural, sem sensacionalismo, sem santificar, nem estigmatizar”, comenta.
Quem também deu uma força para o documentário foi Francisco Eller, filho de Cássia Eller com o músico Tavinho Fialho, falecido uma semana antes do nascimento do filho num acidente de carro. Chicão assistiu ao documentário Loki (2008), sobre Arnaldo Baptista, e gostou do trabalho de Fontenelle. Para o diretor, a intérprete de Malandragem e o fundador dos Mutantes tinham suas semelhanças.
“São pessoas que se jogaram ao máximo no que faziam. A música era a grande paixão da vida deles. Dois artistas originais, com cultura musical imensa, que sabiam fazer uma mistura muito sincera”, explica, dizendo que os projetos, por outro lado, trazem diferenças pontuais. “Material de arquivo com a Cássia foi mais tranquilo, enquanto com o Arnaldo foi bem difícil. Mas, contar a história de uma pessoa que não tá mais aqui é mais difícil. Com o Arnaldo, eu pude ir na casa dele e tirar dúvidas”.
Fontenelle não conheceu Cássia Eller pessoalmente, mas acredita que, hoje, tenha intimidade para falar dela. Em grande parte, ele credita isso às mais de 40 entrevistas que renderam cerca de 200 horas de material de pesquisa. Para o diretor, os depoimentos traziam em comum a saudade e a emoção. “Com o Nando Reis, foi uma entrevista de duas horas. Ele cantou All star e mostrou objetos”.
Orgulhoso das críticas positivas que recebendo por Cássia, Fontenelle arrisca explicar o legado deixado pela artista que faleceu em 2001, aos 39 anos, depois de sofrer um infarto no miocárdio. “Ela reuniu muitas tribos. O pessoal do rock ouvia a Cássia cantando samba. Era uma artista que todo mundo gostava. Ela conseguiu reunir a música brasileira. Trouxe paz para a música brasileira”.
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