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27/07/2010 |
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Edição Nº 1144 de 19 a 23 de julho de 2010 |
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| ARTIGO |
Violências contra a mulher |
O hediondo crime que envolve o goleiro Bruno – a mulher, após ser assassinada, teve o corpo destroçado e devorado por cães, segundo denúncia – é a ponta do iceberg de um problema recorrente: a agressão masculina à mulher.
Entre 1997 e 2007, segundo o Mapa da Violência no Brasil/2010, 41.532 mulheres foram assassinadas no País. Um índice de 4,2 vítimas por cada grupo de 100 mil habitantes, bem acima da média internacional.
O Núcleo de Violência da Universidade de São Paulo identifica como assassinos maridos, ex-maridos e namorados inconformados com o fim da relação. Ao forte componente de misoginia (aversão à mulher), acresce-se a prepotência machista de quem se julga dono da parceira e, portanto, senhor absoluto sobre o destino dela.
A Central de Atendimento à Mulher (telefone 180) recebeu, nos primeiros cinco meses deste ano, 95% mais denúncias do que no mesmo período do ano passado. Mais de 50 mil mulheres denunciaram agressões verbais e físicas. A maioria é de mulheres negras, casadas, com idade entre 20 e 45 anos e nível médio de escolaridade. Os agressores são, em maioria, homens com idade entre 20 e 55 anos e nível médio de escolaridade.
Acredita-se que o aumento de denúncias se deve à Lei Maria da Penha, sancionada em 2006 pelo presidente Lula, e que aumenta o rigor da punição aos agressores. Apesar desse avanço, tudo indica que muitos lares brasileiros são verdadeiras casas dos horrores.
A violência contra a mulher decorre de vários fatores, a começar pela omissão das próprias vítimas que, dependentes emocional e financeiramente do agressor, ou em nome da preservação do núcleo familiar, ficam caladas ou dominadas pelo pavor frente aos efeitos de uma denúncia. Soma-se a isso a impunidade. Eliza Samudio, ex-namorada do goleiro Bruno, teria recorrido à Delegacia de Defesa da Mulher, sem que sua queixa tivesse sido levada a sério. Raramente o poder público assegura proteção à vítima e é ágil na punição ao agressor.
A violência contra a mulher é generalizada pela cultura mercantilizada em que vivemos. Basta observar a multiplicidade de anúncios televisivos que fazem da mulher isca pornográfica de consumo.
Nossas escolas, de uns anos para cá, introduziram no currículo aulas que abordam o tema da sexualidade. Em geral se restringem a noções de higiene corporal para se evitarem doenças sexualmente transmissíveis. Não tratam do afeto, do amor, da alteridade entre parceiros, da família como projeto de vida, da irredutível dignidade do outro, incluídos os homossexuais.
Nas famílias, ainda há pais que conservam o tabu de não falar de sexo e afeto com os filhos ou julgam melhor o extremo oposto, o "liberou geral", a total falta de limites, o que favorece a erotização precoce de crianças e a promiscuidade de adolescentes, agravada pelos casos de gravidez inesperada e indesejada.
Onde andam os movimentos de mulheres? Onde a indignação frente às várias formas de violência contra elas?
Os clubes esportivos deveriam impor a seus atletas, como fazem empresas e denominações religiosas, um código de ética. Talvez assim a fama repentina e o dinheiro excessivo não virassem a cabeça de ídolos de pés de barro...
Frei Betto, frade dominicano e escritor.
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